• O experimento desenvolvimentista fracassou. O país não cresce e os indicadores sociais estagnaram
Pedro Ferreira e Renato Fragelli – Valor Econômico
Em recente manifesto1, economistas desenvolvimentistas repudiaram o ajuste fiscal e a política monetária ativa como instrumentos de correção dos atuais problemas de inflação em alta e crescimento em baixa. O manifesto intitula-se "Economistas pelo desenvolvimento e inclusão social", como se houvesse algum economista no mundo contra tais objetivos. Adotando uma retórica inspirada em João Santana, denunciam aqueles que defendem a austeridade fiscal e monetária "exigindo juros mais altos e maior destinação dos impostos para o pagamento da dívida pública, ao invés de devolvê-los na forma de transferências sociais, serviços e investimentos públicos".
Ao sustentarem que "este tipo de austeridade é inócuo para retomar o crescimento e para combater a inflação em uma economia que sofre ameaça de recessão prolongada", os signatários pelo menos reconhecem que o Brasil passa por uma "desaceleração econômica" e que há um problema inflacionário, algo que vinham negando há tempos.
Durante a campanha eleitoral esses fatos não foram reconhecidos pelos mesmos economistas e pela própria presidente, que sistematicamente evitou discuti-los. Apesar de uma vitória eleitoral em que as verdades foram deliberadamente escondidas do eleitor, o manifesto reitera que "a maioria da população brasileira rejeitou o retrocesso às políticas que afetam negativamente a vida dos trabalhadores e seus direitos sociais". Será que se os problemas tivessem sido reconhecidos pela candidata que acabou vencedora os eleitores teriam mantido a mesma escolha?
O que propõem esses economistas? Mais do mesmo, nenhum ajuste. Há aqui coerência. A presidente Dilma Rousseff foi reeleita com uma plataforma de esquerda em que atacou decididamente qualquer proposta de correção de rumos e chegou a afirmar que um suposto ajuste a ser implantado por Aécio Neves no intuito de reduzir a inflação anual a 3% causaria um desemprego de 15%! Tratava-se de algo sem qualquer fundamento econômico, mas que politicamente servia para empurrar seu oponente para a direita e reafirmar a não necessidade de qualquer correção de rumo.
Afinal, como alguém a favor da "inclusão social" poderia pensar nisso? Assim, os signatários do manifesto têm razão em reclamar de um "ajuste conservador" que vai contra as promessas de campanha, embora para muitos esteja claro que sem ele o país não voltará a crescer e provavelmente perderá o grau de investimento, o que levaria a uma fuga de capitais, elevação dos juros, desvalorização cambial e maior inflação, comprometendo a continuidade da melhoria da distribuição de renda.
O manifesto reconhece que "é fundamental preservar a estabilidade da moeda", mas, lido e relido o documento, não se encontra qualquer proposta para reduzir a inflação, mas sim ataques veementes a qualquer estratégia coerente para combatê-la. Muito mais preocupados com o crescimento, esses economistas defendem ser essencial manter os juros baixos, e "anunciar publicamente um regime fiscal comprometido com a retomada do crescimento", adiar medidas contracionistas e evitar a apreciação cambial.
Falta aqui autocrítica e humildade para reconhecer os erros. Nos últimos quatro anos o país foi comandado por economistas de esquerda que implantaram uma agenda que vinham defendendo desde sempre e que em parte é repetida no manifesto: redução voluntarista dos juros, desvalorização do câmbio, políticas industriais agressivas, proteção comercial e política fiscal expansionista.
A realidade, entretanto, é que o experimento desenvolvimentista fracassou. O país não cresce, a indústria está encolhendo, a taxa de investimento mantém-se baixíssima, a inflação - mesmo com todos os controles de preços - permanece acima do teto da meta, o déficit em conta corrente mantém-se alto e os indicadores sociais apresentam estagnação.
Em vez de propor uma repetição da receita que não funcionou e esperar que dessa vez ela funcione, os signatários deveriam buscar entender onde foi que erraram. Deveriam estar se perguntando qual o problema de suas teorias e por que sua implementação foi tão desastrosa. Deveriam tentar entender por que, ao contrário do que sempre afirmaram, é impossível controlar simultaneamente juros e câmbio. Estariam os neoclássicos certos e esses preços são endógenos? Seriam as políticas setoriais envolvendo incentivos e controles arbitrários, por introduzirem tantas distorções no ambiente econômico, mais prejudiciais aos agentes econômicos como um todo do que benéficas aos agraciados? A lista é longa.
Embora uma parte dos signatários viva em perfeita ignorância dos avanços da teoria econômica dominante nos últimos trinta anos, grande parte deles sabe muito bem o que o lado de cá pensa. Neste sentido, é indesculpável a estratégia retórica de rotular aqueles que deles discordam como "porta-vozes do mercado financeiro", como fazem no manifesto. Isso beira a desonestidade intelectual.
Possui um eco stalinista muito comum aos partidos tradicionais de esquerda do passado: "eu sou de esquerda, defendo a classe trabalhadora e portanto estou certo; você discorda de mim, logo é de direita e está contra os trabalhadores, portanto está errado".
Como estratégia de campanha eleitoral pode-se entender, reelegeu Dilma Rousseff. Como argumentação de economistas e cientistas sociais, esse reducionismo é de uma pobreza atroz que mais revela a fraqueza dos argumentos que reforça o ponto defendido.
Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso são professores da Escola de Pós-graduação em Economia (EPGE-FGV)
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