• Apesar de excessos, protestos contra manobra fiscal mostram saudável empenho de enfrentar a irresponsabilidade federal
Nada como um dia depois do outro, dirá um observador desapaixonado (e sem alergia aos clichês) diante dos tumultos que acompanharam a votação, no Congresso, da manobra que assegurou ao governo Dilma Rousseff (PT) o descumprimento de suas metas para as contas públicas neste ano.
Vaias, protestos, altercações; as galerias da Casa tomadas por ativistas; palavras de ordem, faixas, hostilidades a parlamentares governistas --tudo fez lembrar, durante dois dias, os clássicos momentos em que sindicalistas, índios ou sem-terras se organizavam para pressionar o Legislativo.
Dessa vez, entretanto, a causa era outra, e sem dúvida distinta a extração social dos que participaram dos protestos. Só por renitente inércia intelectual, ou por decidido ato de má-fé, cumpriria contudo estigmatizar como "de direita" os manifestantes que ali estavam.
Era razoável, importante e, em certa medida, supraideológico o móvel que os reunia. Tratava-se de protestar contra uma disparatada artimanha governista, cujo principal efeito revela-se nocivo até para as autoridades federais.
A iniciativa do Planalto consistia em obter do Congresso autorização para descumprir metas orçamentárias; dava-se o dito pelo não dito, eliminando qualquer sentido no ato de anunciar, a cada ano, os compromissos do governo no controle de suas receitas e despesas.
O descrédito da administração Dilma seria menor, talvez, se simplesmente admitisse não ter alcançado o saldo pretendido e anunciasse, em seguida, seus planos para que o fiasco não se repetisse.
A manobra deu-se no sentido inverso, reconfigurando os cálculos para que despesas diversas não ganhassem o nome que de fato têm.
O descrédito evidente, que se superpõe ao impacto positivo da nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, não pesou apenas sobre a Presidência.
Quando esta se dispôs a condicionar a liberação de emendas para deputados à aprovação de seu casuísmo fiscal, deu-se a aliança da incompetência com o fisiologismo, da irresponsabilidade no atacado com o regateio no varejo.
Por exaltadas e sem controle que tenham sido as manifestações, não há como dizer que congressistas e governo não as merecessem. Parte da sociedade se mobiliza, dificultando um pouco que seja o abuso de poder e a desídia econômica; se não são os militantes que o PT sempre teve a seu lado, não é menos legítima e política a indignação.
Preservadas, naturalmente, as regras mínimas da convivência, tentar reprimir essa nova oposição será tão contraproducente quanto em outros tempos --época em que os protestos, e os que tentavam abafá-los, se situavam em campos inversos ao de hoje.
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