Auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) nas contas do governo, cujas principais conclusões foram noticiadas pelo Valor (15/01), definiu que os atrasos no ressarcimento a bancos federais pela execução de programas oficiais - como o pagamentos de benefícios sociais e subsídios embutidos em algumas linhas de financiamento - configuram operação de crédito e, portanto, ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Esse é o primeiro desdobramento das investigações sobre as chamadas "pedaladas fiscais" conduzidas pelo Tesouro Nacional nos últimos anos, quando o órgão esteve sob o controle do agora ex-secretário Arno Augustin. O titular da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams, sustenta que as operações não podem ser classificadas como empréstimos e pretende brigar pela tese.
Há, certamente, pontos que devem ser tecnicamente debatidos no momento oportuno - e o conceito de operação de crédito talvez seja o mais importante. O essencial, contudo, é que as decisões que vierem ao fim do processo não signifiquem rasgar a LRF e nem causem danos ainda maiores à já combalida credibilidade dos indicadores fiscais do país.
Independentemente da interpretação que terá o plenário do TCU e, possivelmente, a Justiça, depois de eventual provocação ao Ministério Público, os fatos são claros em mostrar que o Tesouro se valeu de recursos dos bancos públicos para bancar gastos correntes, sem o devido registro nas estatísticas do resultado primário e da dívida líquida. Isso fica patente pelos valores envolvidos, pela recorrência do uso de artifícios contábeis e pelo grau de disseminação de sua utilização.
O primeiro caso que veio a público foi o atraso no repasse de recursos do Tesouro para ressarcir a Caixa Econômica Federal pelo pagamento de programas sociais, como o Bolsa Família. Como é muito difícil prever o fluxo diário de pagamentos desses benefícios, é natural que, ao longo do tempo, a Caixa alternasse posições credoras e devedoras perante a União. Mas o que ficou claro é que, a partir de fins de 2013, o banco passou a ser, sobretudo, credor, de forma recorrente e em cifras cada vez mais elevadas. A posição negativa no fim de agosto de 2014 somava R$ 1,74 bilhão.
Ao longo de 2013 e no primeiro semestre do ano passado, os bancos federais e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) passaram a acumular créditos vultuosos perante a União, relativos, sobretudo, a programas de financiamento oficiais. Na prática, as instituições financeiras usaram dinheiro de seus próprios caixas - muitas vezes recursos captados de depositantes - para bancar subsídios a empresas e à construção de habitações populares.
Discussões jurídicas à parte, deve-se reconhecer que todos esses artifícios foram utilizados para contornar os registros nas estatísticas de endividamento público, sugerindo uma posição fiscal mais sólida do que a real. Hoje, os investidores já estão cientes da existência desse passivo oculto e, provavelmente, essa incerteza está embutida no prêmio de risco pago pelo Tesouro para rolar a dívida pública.
O mais grave são os indícios de que houve desrespeito à LRF, como apontado em várias ocasiões pela auditoria do TCU. Em seu artigo 36, a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe expressamente "a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle". Algumas das operações, indicam os auditores do TCU, têm característica de antecipação de receita, que está proibida pelo artigo da LRF para o último ano de mandato do presidente da República. Em outras transações, a auditoria verificou ausência de prévia e expressa autorização legislativa para contratar a operação financeira.
Desde que o conteúdo do relatório do TCU foi revelado, o governo iniciou uma estratégia para se proteger da tempestade que, certamente, virá. O advogado-geral da União já prepara um novo périplo pelos gabinetes do tribunal de contas. Na última oportunidade em que isso se deu, ele conseguiu evitar o bloqueio dos bens da presidente da Petrobras, Graça Foster, na esteira da escandalosa aquisição da refinaria de Pasadena. No episódio das pedaladas, a missão de Adams é, basicamente, a mesma: evitar que o problema troque as páginas econômicas pelas policiais.
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