• Desvalorização do real pode ajudar retomada econômica adiante, mas ainda é insuficiente
- Folha de S. Paulo
O dólar a R$ 3 parece caro. Esse pico recente causa certa vertigem. Ouve-se que o dólar voltou ao valor "mais alto em dez anos". De resto, a moeda americana virou o ano a R$ 2,65. No início de 2015, o preço previsto pelo "mercado" para o final do ano era R$ 2,80.
As aparências enganam. O dólar ainda está barato.
Primeiro, note-se que o real pode derreter até, digamos, R$ 4 em caso de besteirada na política, na política econômica ou de tumulto mundial (devido à alta dos juros americanos). Mas, na média do ano, o dólar está em R$ 2,85. Convém ter um pouco de paciência antes do pânico.
Segundo, é fácil perceber que R$ 3 em 2015 valem menos que R$ 3 em 2004 (houve inflação). Embora variações violentas do dólar possam no curto prazo bagunçar as empresas e, por tabela, a economia, não dá para pensar em efeitos mais duradouros e gerais do preço do dólar nesses termos, nominais.
Terceiro, feita uma conta mais certinha, constata-se que a taxa de câmbio está em nível parecido com a de fins de 2007. Trata-se aqui da "taxa de câmbio efetiva real", que leva em conta inflações e o peso de cada moeda no comércio exterior brasileiro. Outra medida do custo relativo do país, porém, indica que o Brasil ainda está caro, longe dos anos "competitivos" de 2003-07. É o que se nota no caso da relação câmbio/salário, grosso modo salários medidos em dólares, ajustados pela produtividade.
Quarto, mesmo depois de três anos de desvalorização do real e de crescimento baixo (zero em 2014), o Brasil ainda tem deficit externo enorme, de mais de 4% do PIB (trata-se aqui do saldo das transações de bens e serviços com o exterior). Mesmo com economia parada, o país ainda consome muito mais que produz.
Ou seja, simplificando, mas não muito, o dólar está barato o bastante para permitir tamanha importação de bens e serviços, ainda que a renda nacional tenha estagnado. Mas, pelo menos na presente situação brasileira e dado o contexto mundial desfavorável, viria bem a calhar uma redução do deficit externo, desde que tal reversão não fosse caótica (megadesvalorização súbita). Seria um caminho possível para alguma retomada econômica, mais adiante.
Desvalorizações reais da moeda em geral reduzem o deficit externo (e vice-versa), ainda que com efeito retardado. O real desvalorizado ("dólar caro") contribuiu para os superavit externos entre 2003 e 2007, embora a conta dos fatores que influenciaram tal resultado não seja simples assim.
Talvez agora seja necessária uma desvalorização maior do real. Ao contrário do período 2002-08, o mundo cresce pouco, o preço dos nossos produtos principais de exportação desaba e a concorrência no mercado de manufaturas é muito mais difícil, até porque continua a liquidação de bens industriais no mundo, ao passo que nossos custos ainda sobem muito.
Pelo menos em relação ao fim de 2007, o câmbio ainda não compensou o efeito combinado de alta de salários e produtividade estagnada. Além do mais, as desastrosas políticas industrial e de comércio exterior de Dilma 1 parecem ter feito a indústria regredir em capacidades. Mesmo após a desvalorização do real, o deficit externo continuou nas alturas.
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