- O Estado de S. Paulo
Está cada vez mais nítido que os problemas do reequilíbrio das contas públicas são mais complexos do que um programa de ajustes de curto prazo poderia solucionar. Em importante artigo, publicado em meados de julho, os economistas Marcos Lisboa, Samuel Pessôa e Mansueto Almeida mostraram, com riqueza de detalhes e dados, a natureza estrutural dos desarranjos fiscais, a partir da constatação de que “desde 1991, a despesa pública tem crescido a uma taxa maior do que a renda nacional”.
No ensaio Ajuste inevitável, os economistas produzem uma radiografia da forte expansão dos gastos públicos nas últimas duas décadas e meia. Acompanham também a evolução da carga tributária nesse período, que passou de 25% para 35% do PIB, concluindo que a receita de impostos cresceu pouco menos do dobro do crescimento da renda.
Minucioso e devidamente propositivo no lado dos cortes que contribuiriam para conter e acomodar despesas, o texto, contudo, deixa lacunas na parte que se refere às também necessárias reformas no lado da arrecadação. Os economistas ficaram devendo sugestões para o redesenho de receitas que, como se sabe e não é de hoje, são socialmente regressivas e economicamente anticompetitividade. Quando se fala em corrigir defeitos estruturais no campo das contas públicas, uma reforma que altere a natureza das fontes de arrecadação e o perfil dos contribuintes não deveria ficar de fora.
Depois de quatro ajustes fiscais em 16 anos - um, em média, a cada quatro anos -, é preciso incluir reformas no perfil da atual carga tributária, buscando uma solução integrada, capaz de fugir das soluções provisórias e incompletas até aqui tentadas. Quando, concomitantemente, começam a ser divulgadas informações mais amplas e transparentes sobre a formação das receitas tributárias, essa tarefa ganha maior relevância.
Em resposta a críticas do economista-celebridade Thomas Piketty, que lamentou, quando veio lançar no Brasil seu famoso O capital no século XXI, em fins do ano passado, a pouca informação sobre o Imposto de Renda, a Receita Federal acaba de tornar pública uma série de dados mais detalhados, abrangendo o período de 2008 a 2013. Um primeiro estudo com base nessas novas informações, publicado sexta-feira no jornal Valor, confirmou, com números acachapantes, conhecidas distorções do sistema tributário nacional.
No artigo Jabuticabas tributárias e desigualdade no Brasil, os economistas Sérgio Gobetti e Rodrigo Orair, pesquisadores do Ipea, mostram quanto a arrecadação tributária ainda tem potencial de crescimento, sem afetar a competitividade econômica e melhorando sua ação distributiva. Segundo o estudo, em 2013, o topo da pirâmide, formada por exatos 71.440 contribuintes, com rendimento acima de 160 salários mínimos por mês (R$ 1,3 milhão anuais), 0,3% dos declarantes do IR ou 0,05% da população ativa, concentravam 14% da renda total e 22% de toda a riqueza em bens e ativos financeiros. Numa chocante inversão, enquanto 66% da renda desses super-ricos é isenta de IR, na faixa até 5 SMs, a parte isenta não chega a 10%. Para os autores, a distorção se deve à isenção da taxação de dividendos, que passou a vigorar em 1996 e reduz o potencial de arrecadação em cerca de R$ 50 bilhões por ano - valor não tão distante dos R$ 70 bilhões de corte em despesas públicas contidos na meta original de superávit primário de 1,1% do PIB.
É lugar comum comparar a carga tributária brasileira, de 40% do PIB, com a de outras economias de renda semelhante, em torno de 30%, lembrando que nosso nível de tributação rivaliza com o de países ricos. Muito menos comum, infelizmente, é a comparação com a estrutura tributária dos outros países. Enquanto nos países da OCDE, onde a tributação média do lucro total (pessoas físicas e jurídicas) é hoje de 51%, rendas e lucros respondem por um terço da carga tributária, no Brasil mal chega a um quinto.
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