O governo vai encaminhar ao Congresso proposta para alterar a meta fiscal deste ano, que hoje prevê superávit de R$ 8,7 bilhões nas contas públicas, para um déficit de R$ 48,9 bilhões. O rombo poderá ser ainda maior, de até R$ 60 bilhões, pois a meta prevê abatimento de até R$ 11,1 bilhões caso haja frustração na receita prevista com o leilão de hidrelétricas antigas. O déficit não inclui a regularização das pedaladas fiscais. O ministro Levy disse que o governo estuda usar recursos que o BNDES devolverá ao Tesouro para regularizar os repasses atrasados.
Governo prevê déficit fiscal de até R$ 60 bi
• Nova meta estima rombo em R$ 48,9 bi, mas permite abater R$ 11 bi se leilão de hidrelétricas fracassar
Martha Beck, Geralda Doca e João Sorima Neto - O Globo
-BRASÍLIA E SÃO PAULO- Depois de muitas idas e vindas, o governo informou ontem que encaminhará ao Congresso proposta que altera a meta fiscal de 2015 do setor público, de superávit primário de R$ 8,7 bilhões, ou 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB), para déficit de R$ 48,9 bilhões, ou 0,85% do PIB. O rombo, no entanto, pode ser ainda maior. O texto tem uma cláusula pela qual a equipe econômica poderá abater uma frustração de receitas de R$ 11,1 bilhões caso o leilão de hidrelétricas antigas, previsto para novembro, não tenha o resultado esperado. Neste caso, o déficit subiria para R$ 60 bilhões, ou 1,04% do PIB. O projeto não prevê o pagamento das pedaladas fiscais (atrasos nos repasses de recursos do Tesouro Nacional para bancos públicos), que, no total, somam R$ 40 bilhões. Parte desses débitos já foi quitada, mas o acerto final só será feito após o Tribunal de Contas da União (TCU) se posicionar.
Em São Paulo, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que o governo estuda a possibilidade de o BNDES devolver ao Tesouro recursos destinados ao Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Esse dinheiro, afirmou o ministro, poderia ser usado para pagar dívidas que o governo tem com instituições financeiras. São esses débitos que ficaram conhecidos como pedaladas fiscais.
— Não são recursos do BNDES. São recursos públicos que o Tesouro repassou, e ficou evidente que havia espaço para se reduzir o que foi demandado no ano passado. E pode-se considerar a conveniência desses recursos eventualmente voltarem ao Tesouro, diminuindo a exposição à divida. Neste momento de fortalecimento fiscal, é uma coisa a ser considerada — afirmou Levy.
Governo central terá déficit de r$ 51.8 bilhões
No governo central (composto por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central), a meta passou de um superávit de R$ 5,8 bilhões para um resultado negativo de R$ 51,8 bilhões, ou 0,90% do PIB. Já estados e municípios terão de fazer um superávit primário de R$ 2,9 bilhões, ou 0,05% do PIB. Essa será a terceira alteração feita na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015, que, no início do ano, previa um superávit de R$ 66,3 bilhões, ou 1,2% do PIB.
Nenhum integrante da equipe econômica apareceu para anunciar que 2015 registrará o pior resultado fiscal primário da história. A informação foi divulgada pelo relator da proposta de alteração da meta, deputado Hugo Leal (PROS-RJ), depois de ser informado dos números pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Somente no fim da tarde, os dados foram disponibilizados pelo governo. Não houve entrevista ou explicação mais detalhada. Ao contrário da última alteração de meta, quando Barbosa e Levy concederam entrevista coletiva para explicar as razões da revisão, desta vez, ambos mantiveram o silêncio. Levy nem ficou em Brasília para dar a notícia.
A frustração nas receitas foi a responsável pela redução da meta. Com a economia em recessão, mercado financeiro turbulento e pouca margem de manobra no Congresso para aprovar medidas do ajuste fiscal, a arrecadação caiu drasticamente, e o governo foi obrigado a reduzir sua estimativa de receita líquida em R$ 57,7 bilhões, em relação ao último relatório bimestral de receitas e despesas. O total esperado passou de R$ 1,111 trilhão para R$ 1,053 trilhão. As estimativas de gastos, por outro lado, foram mantidas em R$ 1,105 trilhão. O governo também reduziu a previsão para o PIB deste ano. A retração esperada era de 2,4% e foi para 2,8%.
Além da redução na expectativa de arrecadação de tributos importantes como o Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), o governo também reviu estimativas de receitas extraordinárias. A equipe econômica já não conta mais com o Programa de Redução de Litígios Tributários (Prorelit), com o projeto de repatriação de ativos nem com a abertura de capital da Caixa Seguridade. Outro balde de água fria foram as concessões. A estimativa de receita com essas operações encolheu R$ 1,2 bilhão, na comparação com o relatório do quarto bimestre. Houve queda de R$ 1,08 bilhão na projeção da arrecadação com rodadas de leilões da ANP e de R$ 250 milhões com outorgas de telecomunicações.
No documento no qual revisou as metas de 2015, a equipe econômica destacou os esforços feitos ao longo do ano para reequilibrar as contas públicas, como um corte de despesas de quase R$ 80 bilhões, e explicou que para a manter a meta atual, seria preciso um contingenciamento adicional de R$ 107 bilhões. O texto ressalta ainda que a deterioração fiscal, as incertezas políticas e a retração econômica levaram a agência de classificação de risco Standard & Poor’s a retirar o grau de investimento (selo de bom pagador) do Brasil e lembra que a Fitch pode ser seguir o mesmo caminho.
Acerto com BNDES para regularizar pedaladas
Entretanto, o texto não faz referência ao impacto das pedaladas fiscais nas contas. A proposta que será encaminhada ao Legislativo apenas coloca na cláusula de abatimento que o pagamento dos repasses atrasados aos bancos públicos decorrente dessas manobras poderá ser abatido do resultado fiscal primário em 2015.
Enquanto espera um posicionamento do TCU, o governo se prepara para quitar as despesas. O Tesouro Nacional e o BNDES negociam uma engenharia financeira pela qual o banco pagará antecipadamente à União uma parte dos empréstimos que recebeu nos últimos anos por meio da emissão de títulos públicos. Esse dinheiro vai ingressar no Tesouro como uma receita financeira e depois será usado para quitar as dívidas pendentes com o próprio BNDES e outros bancos, como Banco do Brasil e Caixa, segundo técnicos. A dívida do Tesouro com o BNDES chega a R$ 24,5 bilhões.
O primeiro passo para viabilizar essa operação foi dado na última sexta-feira, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) reduziu em R$ 30 bilhões o limite do BNDES para empréstimos do PSI. Esse limite passou a ser uma sobra orçamentária do banco, que pode ser usada para fazer o pagamento ao Tesouro Nacional. A operação terá impacto no resultado primário, mas não na dívida bruta, pois o governo vai receber uma receita e depois pagar uma despesa no mesmo valor.
Questionado se os recursos seriam usados para pagar as “pedaladas”, Levy respondeu que não se tratava disso.
— Há atrasos em pagamentos do governo para algumas instituições financeiras que nós vamos regularizar dentro de um cronograma — afirmou, sem citar a palavra pedalada.
Em Brasília, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), defendeu que a nova meta seja votada rapidamente. No ano passado, a alteração na meta de 2014 foi aprovada em dezembro, no prazo limite.
— O que estiver à disposição do Legislativo, tem de ser rapidamente encaminhado. O que couber ao Legislativo fazer, é fundamental que o faça logo. O Orçamento, quanto mais real, melhor. A confiança que o brasileiro quer é exatamente essa: saber o que está acontecendo do ponto de vista do Orçamento. Com relação à previsão de receita, de despesa, quanto mais real, verdadeiro for, melhor.
O Congresso, neste debate, vai, de todas as maneiras, dar contribuições, oferecer saídas e sugestões.
É o nosso papel — disse Renan.
Colaboraram Bárbara Nascimento e Cristiane Jungblut
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