Por Murillo Camarotto, Leandra Peres, Daniel Rittner e Fabio Murakawa - Valor Econômico
BRASÍLIA - Pela primeira vez desde 1937, um presidente da República teve sua contabilidade rejeitada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Após uma longa batalha política e jurídica, o plenário decidiu ontem por unanimidade que as diversas irregularidades identificadas nas contas da presidente Dilma Rousseff no exercício de 2014 tornaram impossível a aprovação das demonstrações.
Oficializado o resultado, o presidente do TCU, Aroldo Cedraz, deve entregar hoje o parecer ao presidente do Congresso Nacional, Renan Calheiros (PMDB-AL). Pelo rito legal, Renan levará os números à Comissão Mista de Orçamento (CMO), que após apreciar as contas encaminhará a documentação aos plenários do Senado e da Câmara. Senadores que se reuniram com Renan estimam que a votação pode ocorrer em fevereiro de 2016.
Se a reprovação for confirmada nas duas casas, um decreto legislativo é promulgado oficializando a rejeição das contas. Somente a partir daí é que se poderia utilizar a decisão sobre as contas para embasar um processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Os quase quatro meses de disputa com a corte de contas, estabelecida pelo Executivo, resultaram em um TCU coeso. Um a um, os oito ministros com direito a voto apresentaram pareceres sucintos contra as práticas adotadas durante a execução orçamentária pelo governo. O plenário rechaçou, sem pestanejar, todos os pedidos feitos pela Advocacia-Geral da União (AGU) na tentativa de inviabilizar a participação do ministro Augusto Nardes na relatoria das contas da presidente reltivas a 2014.
A disposição do plenário pôde ser percebida logo início da sessão, quando o presidente do TCU anunciou que o ministro-chefe da AGU, Luís Inácio Adams, não poderia fazer sustentação oral no processo que tratava do afastamento de Nardes. A fala do AGU, segundo Aroldo Cedraz, só poderia se dar na discussão do mérito, ou seja, das contas.
Diante da iminência da derrota no TCU, o governo usou como último recurso o pedido de impedimento do relator, e no momento final entrou com mandato de segurança no Supremo Tribunal Federal. Perdeu todos os recursos. Nardes era acusado de ter descumprido a lei ao antecipar seu voto em declarações públicas, sobretudo em entrevistas à imprensa. A AGU chegou a pedir que os jornalistas responsáveis pelas reportagens fossem ouvidos como testemunhas.
Os ministros negaram tudo com veemência. Designado para tratar do caso Nardes, o ministro Raimundo Carreiro, que é corregedor do TCU, disse que o relator não descumpriu a lei. Suas declarações, segundo Carreiro, foram baseadas em processos já julgados, como o que tratou das "pedaladas" fiscais, consideradas as protagonistas da inédita rejeição das contas.
As 12 irregularidades que basearam a reprovação das contas dizem respeito ao descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Execuções Orçamentárias. Além das "pedaladas", o governo foi acusado de não realizar contingenciamento obrigatório de despesas e de não contabilizar rombos na Dívida Líquida do Setor Público.
Durante a leitura de seu parecer, Nardes lembrou ter alertado Dilma sobre a fragilidade das contas. Segundo o ministro, se consideradas todas as irregularidades identificadas no ano passado, chega-se a uma distorção total de R$ 106 bilhões na contabilidade presidencial.
"O que se observou foi uma política extensiva de gastos sem responsabilidade fiscal e transparência", resumiu o relator. "Essa posição é de 14 auditores concursados, portanto, técnica", completou Nardes.
Sua posição foi seguida pelos colegas, inclusive os considerados alinhados com o governo. Integrante desse grupo, o ministro Benjamin Zymler disse que uma ou outra irregularidade até poderia ser afastada, mas que o "conjunto da obra é a falta de transparência e de compromisso com a estabilidade fiscal".
Os ministros Bruno Dantas, Vital do Rêgo e Walton Alencar cumprimentaram o relator. Dantas reiterou a coragem com que o relator enfrentou o processo e saudou a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux, que garantiu a realização do julgamento, ao negar um efeito suspensivo solicitado pelo governo. Três ministros - Ana Arraes, José Múcio e Raimundo Carreiro - se limitaram a emitir seus votos "com o relator".
Adams assistiu impassível a mais de uma hora de contrapontos e críticas. No seu momento de falar, o chefe da AGU fez uma defesa enfática das contas de Dilma. Voltou a rejeitar o termo "pedalada" para definir as postergações de pagamentos a bancos públicos por parte do Tesouro Nacional, prática que movimentou R$ 40 bilhões em 2014. "É artificioso achar que se trata de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal", afirmou. O advogado-geral ainda criticou a politização do processo e foi hostilizado ao fim do discurso por algumas pessoas no auditório.
Na saída, Adams não descartou a possibilidade de novo recurso ao STF. "O jogo não acabou", disse ele. A sessão foi acompanhada por manifestantes que durante toda a semana marcaram presença no TCU com faixas e músicas alusivas ao impeachment. Ontem, o boneco que retrata a presidente com um nariz de Pinóquio foi montado em frente à entrada principal do tribunal.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse que a rejeição das contas não abre caminho para o impeachment, por se tratar de um mandato anterior da presidente. Mas afirmou que o resultado era esperado. "O governo praticamente antecipou o resultado ao pedir a suspeição do relator do TCU", disse. "Foi um erro político grave."
As principais lideranças da oposição na Câmara acompanharam o julgamento das contas governamentais de 2014 no plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) e viram a decisão como o "início do fim" da presidente Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. "Aqui foi dada uma pá de cal ", disse o líder do PPS, Rubens Bueno (PR).
"O julgamento foi importantíssimo e nós apoiamos o impeachment", afirmou o líder do PSDB, Carlos Sampaio (SP). O líder do DEM, Mendonça Filho (PE), disse que "a decisão foi técnica e respaldada na legislação".
A oposição no Senado avaliou que a decisão do TCU dá fôlego à possibilidade de a presidente Dilma Rousseff ser afastada do cargo. Líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB) disse que a decisão "confirma o estelionato eleitoral. Fica caracterizado o abuso de poder político e econômico além do crime de responsabilidade". Ronaldo Caiado, líder do DEM, disse que o governo Dilma está em seus "últimos dias" e fez previsões. "A Câmara deverá votar a admissibilidade da petição protocolada por Helio Bicudo e Miguel Reale nos próximos 15 dias" (colaborou Raquel Ulhoa)
Nenhum comentário:
Postar um comentário