- O Estado de S. Paulo
A mirabolante e inverossímil versão do presidente da Câmara para insistir que não mentiu quando negou a propriedade de contas no exterior, a despeito das provas apresentadas pelo Ministério Público da Suíça, pode perfeitamente servir como pretexto para que seus muitos aliados defendam sua permanência no cargo e a preservação de seu mandato.
Na vida real – a que vem sendo tocada pela força-tarefa da Procuradoria-Geral da República encarregada das investigações da Lava Jato – a entrevista dada na última sexta-feira por Eduardo Cunha só fez piorar a situação. No intuito de reduzir os danos, além de confessar sonegação o deputado acabou dando margem a que os procuradores decidissem tirar a limpo os detalhes dos negócios com os quais Cunha alegou ganhar o dinheiro administrado, segundo ele, por operadores estrangeiros na base da “confiança”.
Uma história cheia de incongruências, contada com amplo uso de eufemismos e escapismos. Em princípio não parece ter sido boa (do ponto de vista dele) a ideia do presidente da Câmara de antecipar em entrevista sua linha de defesa. Talvez tenha pecado por excesso de segurança em sua capacidade de impor uma narrativa, cuja fragilidade ficou exposta na maneira oblíqua como ele respondeu às perguntas.
Enrolou-se nas palavras e não esclareceu por que não apresentou antes essa explicação por ele tida como veraz. A solução encontrada pelo deputado faz lembrar, na forma e conteúdo, o conto da carochinha relatado à CPI que apurava corrupção no governo de Fernando Collor. Era julho de 1992, um mês depois de instalada a comissão de inquérito, quando Collor resolveu se lembrar de um empréstimo obtido junto a uma operadora de factoring no Uruguai, no valor de US$ 3,75 milhões, mediante a garantia de barras de ouro convertidas com dinheiro alegadamente de sobras da campanha eleitoral.
Com isso, queria justificar gastos pessoais exorbitantes custeados pelo tesoureiro da campanha e arrecadador de propinas entre empresários, Paulo César Farias. Num primeiro momento, houve quem acreditasse que a versão por mais inverossímil que soasse, poderia sustentar a farsa e fornecer um pretexto para evitar o impeachment. A história ruiu quando a secretária do escritório de um empresário onde haviam sido forjados os documentos denunciou a armação à CPI. Denúncia confirmada por perícia da Polícia Federal nos papéis.
E assim desmontou-se a “Operação Uruguai” que entrou para a crônica política do Brasil como símbolo de histórias mal contadas com as quais se tenta explicar o inexplicável.
Volta do cipó. Não merecem aplauso manifestações grosseiras de hostilidade a pessoas que fazem ou fizeram parte dos governos petistas. Há dois meses presenciei uma delas em restaurante de Brasília, contra o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Deu vergonha alheia do agressor que, aos gritos, pedia que o ministro se retirasse. Cardozo ficou na dele, não deu publicidade à história nem posou de vítima do “ódio das elites”.
Reagiu como se compreendesse a raiz do problema. Outros petistas agredidos estão no direito de reclamar. Não deveriam, porém, esquecer de que o ovo dessa serpente foi chocado na incubadora do PT, com o discurso permanentemente litigante de Lula, o presidente que dividiu os brasileiros entre amigos (nós) e inimigos (“eles”) do governo.
Na época eram maioria no País os que viviam com o PT uma relação de intensa, exagerada e inadequada paixão. Do alto desse altar, o partido abusou. Semeou o vento e agora colhe a tempestade. Simples e claro assim.
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