• Repaginada, operação aborta acordos de coxia
- Valor Econômico
Bernardo Cuñat Cerveró deu início à sua carreira de ator e produtor teatral com a peça "Em boca fechada não entra mosquito", de Ariano Suassuna. Vinte e quatro anos depois, de posse de um celular num quarto de hotel de Brasília, protagonizou a cena do flagrante de mosquitos que levou à prisão do senador Delcídio Amaral (PT-MS) e do dono do BTG Pactual, André Esteves.
Na cena do crime, senador e banqueiro não viram passar o Brasil que passou pela janela. O grampo do filho do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, mostram que Delcídio e Esteves continuam a agir com as mesmas práticas reiteradamente condenadas pelo Judiciário - e pelo próprio Congresso - nas últimas décadas.
Foi emenda constitucional aprovada por unanimidade em 2001 que possibilitou ao Supremo prender primeiro e perguntar depois. O Congresso abriu mão da autorização prévia sob a pressão de escândalo que levou à renúncia de três senadores, um dos quais ex-presidente da Casa (Antonio Carlos Magalhães), por violação do painel de votações da Casa.
A divulgação dos diálogos gravados por Bernardo não deixou brecha para manobra pemedebista que revogue a prisão. Delcídio relata que o vice-presidente Michel Temer, preocupado com a eventual delação de Jorge Zelada, ex-diretor da Petrobras preso, teria procurado o ministro Gilmar Mendes e que o presidente do Senado, Renan Calheiros, faria o mesmo. Além de Mendes, Dias Toffoli e o próprio relator da Lava-jato, Teori Zavascki, são citados como ministros-alvo da pressão pemedebista.
É possível que Delcídio tenha descrito o intenso corpo a corpo de lideranças políticas com ministros do Supremo na tentativa de convencer Bernardo do seu poder de fogo para aliviar a barra de um Cerveró quase delator. O senador vendeu o que não tinha para pronta-entrega e fez sumir do mercado as chances de negociata na Lava-jato.
Some-se o pra lá de enredado presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e tem-se aí os três pemedebistas da linha sucessória da Presidência da República citados pelo líder do governo no Senado como potencialmente afetados pelas delações em curso na Lava-Jato. Qualquer decisão do Senado no sentido de reverter as prisões pecaria por flagrante ilegitimidade.
No despacho que autoriza a prisão do senador e do banqueiro, Teori Zavascki deixa claro que agiu para que não pairem dúvidas sobre a independência da Corte. Se o Ministério Público, de posse do grampo de Bernardo Cerveró, pedisse as prisões e o Supremo as negasse, o vazamento das gravações não tardaria. De protagonistas de uma operação que visa a por ia limpo a corrupção na Petrobras, os ministros do Supremo ficariam sob a suspeição de um acordo destinado a por panos quentes na inflamada República.
O risco de um vazamento desses fica claro quando Delcídio revela que André Esteves está de posse da íntegra da delação premiada de Cerveró a ser homologada por Teori. O despacho do ministro blinda o Supremo mas não isenta a força tarefa da responsabilidade de apurar os indícios do viçoso mercado de vazamentos da operação.
Delcídio Amaral não é apenas o primeiro senador da República a ser preso. Parlamentar com acesso ao gabinete presidencial, Delcídio é o líder que, até a madrugada anterior, negociara projetos de interesse do governo, como a repatriação de ativos. Não há dúvidas, portanto, que sua prisão afeta o governo Dilma Rousseff. Na escala de estilhaços, no entanto, o gabinete da presidente da República tem uma trinca lateral.
O mandado de Teori espraia para o PMDB um foco que no dia anterior, ficara excessivamente concentrado no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir da prisão do seu amigo, empresário José Carlos Bumlai, conterrâneo de Delcídio. Os negócios em questão nas prisões da semana ocorreram no governo Lula, ainda que, alguns deles, tivessem a atual presidente da República no conselho da Petrobras. Lula já escancarou a disposição de se distanciar daqueles tenham se envolvido - com ou sem seu aval - em traficância de interesse. Com a prisão de Bumlai e a pressão sobre Delcídio, um dos parlamentares mais próximos do ex-presidente, sua estratégia terá que se mostrar à prova de uma eventual delação premiada.
O avanço da operação sobre o entorno do ex-presidente, contém o fôlego de suas investidas sobre o governo Dilma, como aquela que se destinava a desestabilizar o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mas Lula não é o único a ter os movimentos contidos pela operação.
Se as prisões da semana trincaram o gabinete de Dilma e abriram o flanco da estratégia lulista, não parece haver dúvidas de que racharam ao meio a recidiva pemedebista pela mobilização de empresários e imprensa em torno um governo de transição capaz de implantar as reformas contidas na "Ponte para o futuro". Na descrição de um parlamentar envolvido na elaboração do documento, as propostas lá registradas não têm como ser implantadas por um governo eleito. Um presidente comprometido com a maioria do eleitorado não teria como levar a cabo a desindexação dos benefícios previdenciários do salário mínimo, a flexibilização das leis trabalhistas ou a desvinculação dos gastos orçamentários de educação e saúde.
Na arregimentação desse bloco pemedebista, a adoção do documento pelo que chama de "agentes políticos e econômicos" levaria a que, entre março e abril, quando os indicadores econômicos atingiriam o fosso, o Brasil estivesse, mais uma vez, pronto para despachar a presidente para casa, fosse pelo julgamento do TCU ou do TSE, desde que este optasse pelo entendimento de que o vice-presidente mantivera contas eleitorais em separado.
O movimento se propunha a desmontar o governo num momento em que o país se prepara para sediar evento internacional sob conjuntura de ameaça terrorista. A agenda pemedebista, que já tinha o tempo contra si, agora navega sem instrumentos e, principalmente, sem timoneiros. Num momento em que se imaginava prosperarem acordos de coxia, a Lava-jato renasceu repaginada pelo teatro. Com o apoio de 59 senadores, a toga levou a política para a ribalta.
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