- O Globo
A Câmara dos Deputados precisa se salvar das águas turvas nas quais mergulhou nesta legislatura. Mas ela parece querer afundar cada vez mais, com espetáculos como o da semana passada, em que o presidente Eduardo Cunha e sua tropa de choque manobraram para impedir o andamento do inevitável relatório do processo contra ele por quebra do decoro.
Tudo está sendo quebrado neste ano difícil, além do decoro. O mais perigoso é a quebra da confiança na instituição. O problema não é o destino de Cunha, mas o da Câmara e até do Congresso. O perigo é os jovens acharem que é assim mesmo, que os políticos são todos iguais, e que o melhor é nem ter legislativo. Quem já viu o Congresso fechado —e a última vez que isso aconteceu foi no pacote de abril, há mais de 38 anos — sabe a falta que ele faz. Mas os jovens, que nada disso viram e que tudo veem agora, é que decidirão o futuro. Por isso, decoro, excelências.
Todas as explicações dadas para as contas na Suíça foram contorcionismos que fazem pouco da inteligência alheia. Ofendem. Para acreditar, é preciso não ter sabido dos relatórios do Ministério Público, da informação de que as contas foram bloqueadas, dos cartões de crédito que tanto gastaram, do formulário preenchido no banco, com a cópia do passaporte. Naquele formulário que abriu a conta da qual o deputado é um “beneficiário”, está dito que Cunha gostaria de morar na Suíça. É preciso não saber que o Ministério Público da Suíça também está investigando o deputado brasileiro. Para se contrapor a todas essas evidências, a defesa apresentou argumentos tão sólidos quanto carne moída.
A queda do presidente da Câmara dos Deputados é questão de tempo. É constrangedor que um parlamentar denunciado pelo Ministério Público permaneça no cargo. Ele deveria ter saído por respeito ao país. E se isso for pedir muito, que o fizesse para se defender com mais liberdade. Quando Cunha faz o que fez na quintafeira — convocar uma sessão no plenário para impedir os trabalhos do Conselho de Ética — ele está usando mais uma vez o cargo em causa própria e enfraquecendo a Câmara.
Quanto mais o presidente da Câmara usa o cargo para se defender, mais enfraquece a instituição que preside. O descrédito que cerca o Congresso está se ampliando. Mas isto não é todo o mal que esta situação pode nos fazer. Há nomes sugeridos para substituir Cunha que significam tratar com escárnio a opinião pública. É provocação.
A única forma de resgatar a credibilidade do Congresso é a Câmara aproveitar o momento em que houver troca de presidente e instalar na principal cadeira da mesa um nome que tenha autoridade, inspire respeito e que esteja distante de toda a sujeira que coloca tantos deputados sob suspeição.
Os bons parlamentares, os que se levantaram na quinta-feira, precisam se articular em torno de algum nome que possa barrar os que se insinuam como candidatos. Do contrário, Cunha pode se eternizar no cargo mesmo saindo, porque estará exercendo o poder por interposta pessoa.
O ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello disse que é “lastimável” a postura dos governantes, ao se referir à crise na Câmara, e sugeriu que o deputado renunciasse à presidência ou ao próprio mandato. Seria de fato o melhor cenário. Parte da solução está, contudo, no próprio Supremo Tribunal Federal, que não apenas não dá seguimento às denúncias apresentadas pelo Ministério Público como é rápido para decidir sobre as propostas de fatiar e enfraquecer o processo em Curitiba. O Supremo, ao andar tão devagar, cria um descompasso entre o julgamento dos sem foro, em Curitiba, e dos com foro, que serão julgados em Brasília. Acaba dividindo empresários e funcionários da Petrobras dos políticos com mandatos que permanecem confiantes na lentidão da Justiça.
Há uma clara falha institucional no regimento da Câmara que dá ao presidente o poder de pôr em pauta o processo contra si mesmo. Deveria haver regras que defendessem a sociedade e não o mandato de um presidente sob suspeição. Este episódio de Cunha na presidência da Câmara é tão torturante que a esperança é que dele saiam aperfeiçoamentos institucionais, para proteger o país no futuro de outra situação anômala como esta.
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