• Prisão após decisão de 2ª instância equilibra direitos do acusado e da sociedade
- O Globo
O projeto de lei do deputado Miro Teixeira, da Rede, que altera a legislação processual, permitindo que seja decretada a prisão de um condenado em segunda instância, tornando lei o que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu como jurisprudência, foi sugerido pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), cujo presidente, Antônio César Bochenek, escrevera no ano passado um artigo em coautoria com o juiz Sérgio Moro defendendo que a condenação de primeira instância “por crimes graves” já resultasse em efetivação da pena, podendo o condenado recorrer preso.
Na proposta original, baseada em projeto aprovado no âmbito da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, a Ajufe pretendia resgatar “a eficácia imediata da condenação por crimes graves e com possibilidade excepcional de efeito suspensivo para a apelação quando plausível”.
Entretanto, após divulgar a proposta, entendeu que não havia clima para um passo tão largo, e seria melhor buscar a alteração apenas do regime de recursos contra acórdãos condenatórios: “Proposta da espécie terá melhor chances de aceitação pela sociedade brasileira e pelo Congresso, e melhor se justificaria considerando que o julgamento em segunda instância é colegiado, diminuindo as chances de erro judiciário”.
Embora a prisão já na primeira instância aconteça em vários países, como Estados Unidos, França, Canadá e Reino Unido, os juízes recuaram da proposta considerada “radical” e propuseram o que chamam de “um equilíbrio entre os direitos do acusado e os direitos da sociedade” para viabilizar a decretação da prisão para crimes graves (hediondos, tráfico de drogas, tortura, terrorismo, corrupção ativa ou passiva, peculato, lavagem de dinheiro) como regra a partir do acórdão condenatório em segundo grau de jurisdição.
O juiz Sérgio Moro, da Lava-Jato, que já vinha defendendo a prisão imediata após condenação em segunda instância, diz que a decisão do Supremo vai atingir sobretudo os crimes de “colarinho branco”, pois “em regra, o acesso aos Tribunais Superiores ainda é difícil para pessoas sem elevado poder aquisitivo”.
Quanto à presunção de inocência, que os advogados criminalistas apontam como a grande vítima da decisão do STF, na justificativa do projeto de lei está citado que os exemplos “de dois países que constituem o berço histórico do princípio da presunção de inocência (Estados Unidos e França)” revelam que a imposição da prisão na fase de recurso não é incompatível com tal garantia.
“De todo modo, na proposta ora apresentada, a prisão decretada no acórdão condenatório ainda tem natureza cautelar e, portanto, não viola a presunção de inocência”. Para crimes “gravíssimos como os arrolados na proposta”, lembram os juízes, o tribunal pode impor a prisão cautelar no acórdão condenatório, “salvo se houver garantias de que o condenado não irá fugir ou não irá praticar novas infrações penais se permanecer solto”.
Eles explicam que “há certa inversão do ônus de demonstração de que a liberdade do condenado não oferece riscos na fase de recurso, diferenciando-se da situação existente antes do julgamento, o que é justificável, pois aqui já há um acórdão condenatório, com prévia deliberação de um tribunal colegiado sobre as provas e os argumentos das partes, e, portanto, maior segurança para a imposição da prisão”.
O espírito da lei é que “havendo plausibilidade e seriedade no recurso — e não somente propósito protelatório — poderá o Tribunal Superior atribuir ao recurso especial ou extraordinário efeito suspensivo”. Com essa cautela, “possibilitando a concessão do efeito suspensivo ao recurso revestido de plausibilidade, previne-se a imposição de prisões cautelares prematuras quando há chances de êxito na instância recursal superior, e sem comprometer a efetividade em regra dos acórdãos condenatórios, especialmente para crimes graves”.
Nas justificativas, é lembrado que o próprio Supremo Tribunal Federal, ao declarar a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, admitiu que uma condenação criminal por órgão colegiado, mesmo sem o trânsito em julgado, seria apta a tornar inelegível o condenado.
“O julgado representa o entendimento de nossa Corte Suprema de que o princípio da presunção de inocência não impede em absoluto a imposição de restrições aos direitos de pessoa condenada criminalmente mesmo antes do trânsito em julgado, apontando para a compatibilidade com a Constituição do projeto ora apresentado”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário