Por Cristian Klein – Valor Econômico
RIO - Em encontro recente que teve com a presidente afastada Dilma Rousseff, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) conta que os dois conversaram, por mais de uma hora, sobre o Papa Francisco e a ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner, sobre o fracasso das esquerdas e até sobre a crise de imigrantes na Europa. Mas nada sobre impeachment. Nem sobre a realização de novas eleições presidenciais, bandeira da qual o senador se tornou defensor empedernido e que, aos poucos, vai conquistando adeptos. Entre eles, a própria Dilma, que pela primeira vez admitiu publicamente uma consulta popular, caso sobreviva ao processo de cassação. A declaração veio um dia depois de pesquisa CNT/MDA apontar, na quarta-feira, que 50,3% dos brasileiros são favoráveis à antecipação da disputa presidencial.
Para Cristovam Buarque, novas eleições são a melhor saída para o atoleiro político em que o país se encontra. O senador votou pela admissibilidade do processo de impeachment mas diz que, no julgamento do mérito, seu voto pode mudar. Se a petista amealhar mais seis senadores, além dos 22 que votaram a seu favor, ela escapa da cassação, lembra Buarque. "Nas próximas pesquisas, a popularidade de Dilma não dará um salto, mas vai aumentar", prevê.
O senador vê na resiliência da crise econômica e nos tropeços do presidente interino Michel Temer a chance de Dilma voltar. Cristovam Buarque, no entanto, não quer a volta da petista num cenário sem governabilidade. Prefere novas eleições. Dilma, em entrevista quinta-feira à TV Brasil, disse que aceita ter o mandato encurtado. A presidente afastada sugere que, antes, se convoque um plebiscito para que a população decida a questão. É saída diferente à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 20/2016, que Buarque e outros quatro senadores protocolaram e que prevê eleições presidenciais já em outubro, junto com as municipais. Mas qualquer solução encontra dificuldades seja por razões políticas ou jurídicas, como afirmam especialistas consultados pelo Valor e como reconhece o senador.
Para Buarque, a tese de novas eleições ganhou força depois que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a prisão de grandes caciques do PMDB - o presidente do Senado, Renan Calheiros, o senador Romero Jucá (RR) e o ex-presidente da República e do Senado José Sarney - o que aumentou o grau de incerteza sobre o desfecho da crise.
Em sua opinião, o avanço das investigações da Lava-Jato reforça a necessidade de novas eleições. "Mas o grande problema é jurídico. Precisa que Dilma e Temer cheguem a um acordo", afirma. Dito assim, pode parecer apenas uma questão política. O acordo, porém, seria a maneira de se contornar eventuais questionamentos jurídicos sobre a convocação de novas eleições fora do calendário habitual.
Para o professor de direito constitucional da FGV-Rio, Diego Werneck Arguelhes, a ideia de se devolver ao povo a decisão para desatar o nó da crise política é boa, mas se for "unilateral é suspeita". Precisa afastar a hipótese de que há um ataque de um poder sobre outro, como é o caso de uma PEC vinda do Legislativo. O ideal, diz, é que seja proposta pelo Executivo e apoiada pelo Congresso, num grande pacto de Estado. Que envolva o maior número de atores possível e sinalize ao Supremo Tribunal Federal se tratar de uma coalizão consensual, pró-democracia. "Isso já ocorreu em outros países. O desafio é mais político do que jurídico. O problema é que nova eleição é a segunda melhor opção para Temer e para Dilma", diz.
Para Arguelhes, o acordo teria que ser realizado antes do julgamento do impeachment. Em suas palavras, a costura é difícil, mas passa a ser viável quanto maior for a incerteza. À medida que a Lava-Jato avança, a chance de Dilma mudar o voto de senadores deixa de ser zero, e a de Temer ter sua governabilidade minada aumenta. "A Lava-Jato é apartidária, mas atinge mais o governo, qualquer um, seja Dilma ou Temer", diz.
No entanto, mesmo com a construção de um amplo pacto político, a realização de novas eleições seria inconstitucional, defende Ivar Hartmann, também professor da FGV-Rio. Em sua opinião, não basta um acordo, pois o constituinte "não deixou que fosse possível alterar as regras de periodicidade do voto e da extensão do mandato". "Por mais que envolva muitos atores, vai se restringir ao alto escalão do poder, a Brasília. Isso representa quantas pessoas num universo de mais de 200 milhões de brasileiros?", questiona.
Hartmann argumenta que o mesmo resultado - novas eleições - pode ser obtido com uma solução: a renúncia de Temer e de Dilma. Se ocorresse neste ano, levaria à convocação de eleições diretas, sem necessidade de plebiscito ou de PEC. Mas se a dupla vacância no cargo de presidente e vice ocorrer no ano que vem, depois da metade do mandato, provocaria uma eleição indireta, no Congresso. Isso mostra, em sua visão, que a realização ou não de novas eleições faz parte do cálculo e dos interesses de uma pequena elite política, cujo encaminhamento para a crise pode ser casuístico, evitando o desgaste da renúncia. "A emenda da reeleição serviu para FHC e para todos os chefes de Executivo. Mas a antecipação das eleições, agora, seria só para a atual presidente. Por que só ela ganharia esta saída honrosa?", critica Hartmann, para quem a exceção criaria instabilidade nas regras do jogo. "É uma saída mesquinha, que apequena a democracia brasileira", diz.
Thomaz Pereira, também professor de direito constitucional na mesma instituição, discorda. Em sua visão, uma nova eleição presidencial só seria inconstitucional caso violasse alguma cláusula pétrea. A violação poderia se dar por duas maneiras, argumenta: ou pela afronta à soberania popular - "Em relação à qual não vejo problema, pois se estará devolvendo ao povo o poder de decidir" - ou pelo desrespeito à separação dos poderes, com um deles pondo fim ao mandato do outro. "Havendo acordo entre Executivo e Legislativo, não vejo inconstitucionalidade. E do ponto de vista da soberania, o problema seria se fosse para aumentar o tempo de mandato ou criar uma eleição indireta, o que não está em discussão", diz.
Em um ponto, porém, os três concordam. É quanto à demora do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em decidir se cassa a chapa Dilma-Temer por financiamento ilegal de campanha. A decisão levaria a novas eleições mas se fosse tomada neste ano; no próximo provocaria eleição indireta. "Essa é a grande pergunta em aberto: se as eleições ocorreram ou não com abuso de poder econômico. É inaceitável que o tribunal, que tem a função de julgar as contas, leve mais de dois anos para fazer isso. A impressão que passa não é boa: a de que o TSE está escolhendo o 'timing' para julgar, levando o caso até 2017, para evitar novas eleições", diz Arguelhes.
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