Se realmente deseja atrair mais investimentos e destravar as concessões de infraestrutura, o governo deve engajar-se na reforma das agências reguladoras, que atravessaram um tenebroso período de descaso e enfraquecimento. Um passo importante para reverter o desmonte das autarquias é a nova versão do PLS 52, projeto de lei em tramitação no Senado desde 2013, cujo texto foi reformulado sob orientação da Casa Civil e que agora ganha o apoio declarado do Palácio do Planalto. Sabe-se que a agenda legislativa, após meses de virtual paralisia, acumula um estoque considerável de propostas à espera de deliberação e o governo precisará calibrar suas prioridades no Congresso Nacional. O esforço para aprovar uma lei geral das agências, porém, não pode ficar na condição de promessa.
Do loteamento entre partidos à escassez orçamentária, sobram episódios no passado recente para demonstrar como essas autarquias têm sido debilitadas. Interferência e perda de atribuições ajudaram a constituir, de maneira às vezes sutil, um cenário de fragilização dos órgãos reguladores.
Tome-se o exemplo da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), uma das mais bem estruturadas em recursos humanos, felizmente preservada de indicações políticas na era petista e mantida sob qualificado comando técnico. Nem isso foi suficiente para fortalecê-la. No fim do ano passado, por meio de emenda incorporada à Medida Provisória 688 com a bênção do governo da presidente afastada Dilma Rousseff, a palavra final sobre "excludentes de responsabilidade" saiu da esfera da Aneel e passou para o Ministério de Minas e Energia.
Parece um assunto complexo - e é. Trata-se de perdoar ou não os consórcios responsáveis pela construção de empreendimentos faraônicos, como as usinas hidrelétricas de Belo Monte (PA) e Jirau (PA), por atrasos na conclusão das obras. Uma decisão sobre os pedidos encaminhados pelas empresas, que alegavam não ter responsabilidade por esses atrasos, requer aprofundados estudos técnicos. Não cabem interpretações de cunho político. Em uma canetada e atropelando a agência, o ministério simplesmente chamou para si a tarefa de dar um veredito. No mês passado, o estrago foi corrigido pela MP 735 e a Aneel recuperou o poder decisório.
O substitutivo ao PLS 52 amplia as perspectivas de maior autonomia dos órgãos reguladores. Em termos financeiros, prevê que as autarquias sejam consideradas como unidades independentes no Orçamento Geral da União, sem ficar à mercê dos cortes impostos pelos ministérios aos quais estão vinculadas. Isso não chega a blindá-las contra a falta de recursos que se espalha por toda a administração pública, mas certamente impede que sofram contingenciamento desproporcional como forma de represália por decisões incômodas ao governo.
O maior avanço na proposta discutida pelo Senado, entretanto, diz respeito ao processo de indicação dos diretores das agências. Eles serão escolhidos com base em lista tríplice elaborada por uma comissão a ser instituída por decreto presidencial. A seleção ocorrerá por chamamento público. Os candidatos precisarão ter pelo menos dez anos de experiência profissional na área ou, alternativamente, quatro anos em posições de chefia em empresas do setor regulado pela agência. O presidente da República terá, então, que remeter o nome de sua preferência ao Senado - para sabatina e apreciação - com antecedência suficiente para evitar uma situação de vacância no primeiro escalão. No governo Dilma, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) chegaram a ficar mais de dois anos sem suas diretorias completas.
Em meio a vários aperfeiçoamentos, convém lamentar uma ausência. Infelizmente, o projeto não aborda sugestão feita recentemente pela Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib). Em documento entregue ao governo, a entidade tocou em um ponto quase esquecido nas discussões sobre as agências reguladoras: a necessidade de maior suporte jurídico para amparo dos servidores. Eles sofrem pressões constantes e correm o risco de enfrentar ações administrativas ou judiciais por causa de deliberações de caráter eminentemente técnico. Apesar disso, são desprovidos de resguardo da Advocacia-Geral da União (AGU). Sem proteção jurídica, podem adotar postura excessivamente conservadora, a fim de evitar dores de cabeça no futuro.
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