- Valor Econômico
• Governo não deveria perder de vista a sua razão de ser
Premissa do impeachment, o desafio do presidente Michel Temer é fazer a travessia para 2018 e entregar o país ao sucessor com as bases minimamente assentadas para a retomada do desenvolvimento. Para tanto precisa fazer ao menos as mudanças na legislação trabalhista, aprovar a PEC do teto de gastos e a reforma da Previdência Social. É difícil, costumam dizer os ministros políticos do governo, mas o fato é que não há divergências incontornáveis sobre o conteúdo dessa agenda, tanto no governo quanto na base aliada no Congresso, estimada em 415 deputados. O governo é que pode se complicar, se perder a bússola e fechar-se para o que acontece do lado de fora dos palácios e do círculo dos mais chegados.
Quando a ex-presidente Dilma Rousseff se deu conta, estava cercada de ministros "bichados" no Palácio do Planalto. Alguns mais, outros menos, mas todos constantemente em sobressalto com o que podia sair da Operação Lava-Jato, a investigação que desvendou o mega-esquema de corrupção na Petrobras. Agora o pesadelo povoa as noites do Palácio do Planalto de Michel Temer. Por causa de Curitiba ou outras denúncias. Semana passada, mais um ministro, Marcelo Calero (Cultura), saiu atirando contra o novo governo. Antes dele, o ex-advogado da União Fábio Medina Osório deixou o cargo acusando o Planalto de querer abafar a Lava-Jato. Já são cinco os ministros de Michel Temer que caíram em menos um ano de governo, contando o período interino e o de efetividade. Agora Calero sai acusando Geddel Vieira Lima, um dos "homens do presidente", de abuso de poder e tráfico de influência.
A história contada por Calero é bem conhecida nos bastidores do governo: Geddel teria pressionado o ministro da Cultura a interferir no licenciamento de um empreendimento imobiliário embargado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em Salvador, a capital da Bahia. Aliás, Geddel tem um compromisso de compra venda de uma unidade no empreendimento, assim como dona Maria Letícia, mulher do ex-presidente Lula, tinha o termo relativo a um apartamento no Guarujá. O secretário de Governo, Geddel, reconheceu que tratou de um assunto privado com outro agente público, mas não reconhece que pressionou Calero ou ter cometido alguma irregularidade.
O presidente Temer, aparentemente, também não viu nada demais, tanto que resolveu manter o ministro, talvez por entender que ele cometeu apenas um pecado venial. No momento em que a Justiça manda prender dois ex-governadores do Rio de Janeiro, sob o aplauso da população, o governo Temer reage na contra-mão do que acontece nas ruas. É uma constatação inclusive de amigos de Temer. Por tudo o que se viu nos governos do PT, como o assalto à Petrobras, o presidente Temer assumiu com um dever acima de qualquer outro: o de ser impecável no campo da moralidade pública. Branco como a fachada de um edifício de mármore.
Geddel é da turma da copa e cozinha de Temer. Entre pessoas no entorno da Presidência entende-se que "é difícil jogar o amigo na beira da estrada", mas que o governo não pode perder de vista as razões que levaram ao impeachment e são a sua própria razão de ser: antes da ruína econômica, o que levou milhões de pessoas às ruas, ao longo de 2015 e em 2016, foi a ruína moral. A questão econômica era latente, mas foi a crise ética o combustível que levou a classe média às ruas. Independentemente da escala, o governo Temer não deveria condescender com o que é duvidoso, principalmente se envolve um nome da intimidade palaciana.
Episódios como o protagonizado por Geddel costumam obedecer a uma dinâmica própria: a denúncia primeiro atingiu o ministro, na sexta-feira, mas já no fim de semana resvalava no próprio presidente da República, que em junho último assinou a criação da Secretaria Especial de Patrimônio Histórico. O ato esvaziava o Iphan, mas à época pareceu um ato inocente. A percepção agora é diferente, quando se registra que foi uma das primeiras medidas assinadas por Temer no governo. Denúncias como a que envolveram Geddel são como uma caixa da qual se retira um lenço e outro já está engatado na sequência.
Mais prudente talvez fosse Temer fazer como Itamar Franco, quando Henrique Hargreaves, um de seus mais próximos auxiliares, esteve sob suspeita: ele foi afastado até que uma investigação o inocentou das acusações. O presidente, ao contrário, mantém o ministro enquanto a Comissão de Ética da Presidência analisa se Geddel feriu o código de conduta da administração federal. Diferentemente da demissão sumária de Romero Jucá do Ministério do Planejamento, após a divulgação das fitas gravadas nas quais o senador dizia que era preciso "estancar a sangria" da Lava-Jato.
A Lava-Jato já derrubou quatro ministros de Temer. Pelo menos outros nove são citados nas diversas delações, inclusive integrantes do núcleo decisório do governo. O presidente também abriu as portas do Palácio do Planalto para políticos cuja reputação causa mal-estar entre aliados no Congresso e na copa e cozinha de Temer, casos de Sandro Mabel e Tadeu Filippelli, o primeiro sem nem mesmo ter uma função oficial na Presidência. Ninguém sabe exatamente o que os dois fazem no Palácio do Planalto.
O governo do presidente Michel Temer luta para ter legitimidade. Ele pode vir a obter a legitimidade pelo êxito na economia, o que é visto como difícil na atual conjuntura, quando as projeções de crescimento foram rebaixadas e outras dificuldades além das esperadas surgiram no horizonte, como a eleição de Donald Trump nos EUA. A agenda do impeachment é um documento chamado o "Ponte para o Futuro", o programa que o PMDB lançou há um ano com o objetivo de se mostrar uma alternativa confiável aos mercados. Mas os mercados já se darão por satisfeitos se ele fizera as reformas já anunciadas. A outra via para a legitimidade é a autoridade moral.
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