• Dilma iniciou seu segundo mandato com um estoque de dívidas provenientes de ‘pedaladas’ de mais de R$ 50 bilhões
- O Globo
Num momento em que a Câmara dos Deputados está prestes a afinal se manifestar sobre a questão, ainda há um amplo segmento da opinião pública bem informada que continua em busca de entendimento mais claro das razões formais que sustentam o pedido de impeachment da presidente Dilma.
Para entender o que vem sendo alegado é preciso lembrar como a condução da política econômica, em 2014, ficou inteiramente pautada pelas prioridades da reeleição da presidente Dilma. No caso da política fiscal, o atrelamento às urgências da campanha eleitoral foi especialmente inconsequente.
Para tirar o melhor proveito eleitoral da condução da política fiscal, o governo tentou conciliar dois objetivos claramente conflitantes. De um lado, promover uma farra fiscal sem limites, não obstante o estado já alarmante das finanças públicas, na esperança de mascarar a rápida perda de dinamismo da economia. De outro, evitar a todo custo que o eleitorado percebesse, em tempo hábil, as reais proporções da devastação que vinha sendo imposta às contas fiscais.
O problema é que, no afã de maquiar as contas de 2014, o Planalto acabou incorrendo em sérias violações da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Para atenuar o impacto da expansão do dispêndio sobre o resultado primário, o governo se permitiu deixar que instituições financeiras federais bancassem parte dos pagamentos mensais que faziam em seu nome.
O Tesouro deixou de transferir a essas instituições recursos suficientes para custear tais pagamentos e passou a “entrar no cheque especial”, recorrendo ao truque de maquiagem das contas públicas conhecido como “pedalada fiscal”. Como a LRF proíbe que o governo contraia dívida com as instituições financeiras que controla, gastos financiados dessa forma não apareciam no cômputo do resultado primário e as contas públicas aparentavam estar em estado bem menos precário do que fato estavam.
As “pedaladas” foram parte de uma operação de dissimulação muito mais ampla, cuidadosamente concertada, em que o governo fez de tudo para que, até as eleições, o país continuasse a crer que a meta de superávit primário para 2014, de 1,9% do PIB, seria rigorosamente cumprida. O que afinal se verificou, ao final do ano, foi um déficit primário de 0,6% do PIB. Mas a esta altura, a presidente já estava reeleita.
É preciso ter claramente em conta, portanto, que a grande beneficiária dessa operação deliberada de dissimulação, que envolveu sérias violações da LRF, foi a própria presidente Dilma. É surpreendente, portanto, que, na defesa perante a Comissão Especial do Impeachment, tenha sido tão enfaticamente arguido que a presidente não agiu com má-fé, ao recorrer às “pedaladas”.
Cumprindo determinação do Tribunal de Contas da União, o Banco Central afinal divulgou, na semana passada, informações bastante abrangentes sobre a evolução das dívidas acumuladas do governo com as instituições financeiras federais e com o FGTS, desde 2001. O quadro que emerge desses dados em nada ajuda os argumentos que vêm sendo brandidos pela defesa da presidente Dilma.
Embora dívidas desse tipo tenham de fato sido contraídas em governos passados, o valor total dessas dívidas, que não chegava a 0,01% do PIB no final do governo FHC, manteve-se em torno de 0,05% do PIB, entre 2003 e 2007. Mas, a partir do final do segundo governo Lula, e especialmente nos cinco anos de governo Dilma, cresceu de forma vertiginosa.
Em decorrência dos abusos de 2014, a presidente Dilma iniciou seu segundo mandato já com um estoque de dívidas provenientes de “pedaladas” de mais de R$ 50 bilhões. Atravessou todo o ano de 2015 com as “pedaladas” em aberto, em franca violação da LRF.
Só em dezembro, o governo afinal zerou suas dívidas com as instituições financeiras federais e com o FGTS, quando o estoque de “pedaladas” já atingira cerca de 1% do PIB, 20 vezes mais do que o valor médio observado entre 2003 e 2007. Dilma não tem como alegar agora que não sabia que estava violando a LRF.
Rogério Furquim Werneck é economista – PUC -Rio
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