- Correio Braziliense
Uma das poucas certezas em relação à crise política, diferentemente do que ocorreu ao longo da nossa história republicana, é que o chamado “constitucionalismo democrático” está ganhando. Foi consagrado no século 20, depois do fim do colonialismo, de duas guerras mundiais, da derrota do fascismo e do colapso dos regimes comunistas do Leste europeu. O Estado democrático de direito, conforme inscrito na Constituição de 1988, é expressão dessa vitória. Resulta de duas ideias: o respeito aos direitos fundamentais e o exercício da soberania popular, para resumir a ópera. O ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Barroso escreveu um longo ensaio sobre isso, intitulado “O constitucionalismo democrático no Brasil: crônica de um sucesso imprevisto”.
Segundo Barroso, três mudanças de paradigmas possibilitaram essa consagração: primeiro, a superação do formalismo jurídico, no qual o Direito seria a expressão da razão e o juiz reduzia o fato à norma; segundo, o surgimento de uma cultura jurídica pós-positivista, na qual, se a resposta para os problemas não se encontra na legislação, é preciso procurá-la em outro lugar e legitimá-la em valores morais e objetivos políticos legítimos; e, terceiro, a ascensão do direito público e a centralidade da Constituição, em detrimento do direito privado, na qual a interpretação jurídica deve ser feita à luz da Constituição, dos seus valores e dos seus princípios.
“Toda interpretação jurídica é, direta ou indiretamente, interpretação constitucional”, conclui Barroso. É aí que a porca torce o rabo, para fugir do “juridiquês”. Os políticos estão cada vez mais convencidos de que o Supremo Tribunal Federal (STF), com base nessa exegese, avançou o sinal e invadiu atribuições do Congresso. E de que seria iminente uma “ditadura do Judiciário”. Essa opinião ganhou força no Congresso a partir da prisão do senador Delcídio do Amaral (PT-MS), então líder do governo Dilma Rousseff, em flagrante, por obstrução da Justiça, e do afastamento do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pelos mesmos motivos (ele já foi cassado pelos pares e está preso, condenado pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba), principalmente devido ao envolvimento de muitos caciques dos grandes partidos na Operação Lava-Jato.
Mas foi o afastamento do senador Aécio Neves (MG), presidente afastado do PSDB, que mudou a correlação de forças no Congresso, unindo em torno da tese os caciques da política nacional, principalmente os do PMDB, do PT e do PSDB.
A esperada denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, em razão da delação premiadas do empresário Joesley Batista, dono da JBS, elevou ainda mais a temperatura da crise.
Temer reagiu duramente às acusações de Joesley, mobiliza as forças que o apoiam contra o Ministério Público. O STF está dividido, desde o julgamento das contas de campanha da chapa Dilma-Temer nas eleições de 2014. Por 4 a 3, graças ao voto de minerva do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, escapou da cassação. Mas dois ministros do Supremo, Luiz Fux e Rosa Weber, votaram pela cassação.
Julgamento
Hoje teremos mais um lance importante na queda de braços entre os políticos e a Lava-Jato, devido ao julgamento de novo pedido de prisão do senador Aécio Neves pela Primeira Turma do STF, em razão de recurso apresentado por Janot, já que o ministro-relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin, o havia recusado. O relator é o ministro Marco Aurélio, que preside a turma, da qual também participam os ministros Luiz Fux, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. A tendência é rejeitar novamente o pedido, que se baseia em suposta tentativa de obstrução da Justiça, mas pode haver um duro embate. Enquanto Moraes é um ministro indicado por Temer, Barroso defende a Operação Lava-Jato como paradigma do nosso “constitucionalismo democrático”.
Ontem, em palestra no Recife, embora não faça parte da Primeira Turma, Gilmar Mendes sinalizou a divisão na Corte e criticou os excessos da Operação Lava-Jato: “Investigação sim, abuso não. Não se combate crime cometendo outro crime. E é preciso que a sociedade diga isso de maneira clara. Estado de direito não comporta soberanos. Todos estão submetidos à lei”, disse. Endossou a tese dos políticos de que o Ministério Público e o Judiciário foram longe demais: “É preciso que se respeite o Congresso Nacional. É preciso que se respeite a política. Vamos abominar, sim, as más práticas, mas não se faz democracia sem política e sem políticos. E isso precisa ser reconhecidos pelas instituições”, disse. “Os autoritarismos que nós vemos aí já revelam que nós teríamos não um governo, mas uma ditadura de promotores ou de juízes”, concluiu.
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