Decisão da Corte sobre acordo de delação da JBS, considerado muito magnânimo, pode, na prática, revogar o próprio instrumento de colaboração de criminosos
O processo de mudança no combate à corrupção por que passam organismos do Estado enfrenta dificuldades previsíveis. Afinal, cristalizou-se na vida política uma sólida cultura patrimonialista, em que poderosos de ocasião confundem bens públicos com os privados. Misturam conta bancária particular com o Tesouro Nacional. Vêm daí tentativas de minimizar a corrupção, pela sua banalização — “afinal, todos fazem”, repetese à direita e à esquerda.
Mesmo assim, continuam os avanços na repressão aos crimes de colarinho branco cometidos por políticos e empresários influentes. E à medida que prosseguem, as resistências também crescem. No âmbito do Legislativo e na própria Justiça.
No Congresso, entre outros projetos, há o da lei contra abuso de autoridade, do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), proposta utilizada na tentativa de criminalizar agentes públicos que atuam na Lava-Jato e qualquer outra operação do tipo.
No âmbito da Justiça, está marcado para amanhã um julgamento-chave, no Supremo, sobre a possibilidade de a Corte rever pontos do acordo de delação firmado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo JBS, principalmente as penas, consideradas muito leves. A arguição decorre de iniciativa do governador do Mato Grosso do Sul, o tucano Reinaldo Azambuja, citado nos testemunhos.
Parece tecnicalidade, mas não é. No centro da questão está a Lei 12.850, de agosto de 2013, que trata da organização criminosa e do combate a ela, e da qual constam as regras para a “colaboração premiada”, entre outros instrumentos.
Estabelece-se que cabe ao juiz, na homologação da colaboração premiada, apenas checar se o acordo atende aos “requisitos legais". Trata-se, portanto, de saber se os aspectos formais da delação são obedecidos. Por exemplo, se os testemunhos foram voluntários, sem coação. O juiz também não participa das negociações entre o Ministério Público, a polícia, o delator, e seu advogado.
A delação dos Batista, principalmente de Joesley, superou em impacto, em certa medida, as da Odebrecht, por envolver o presidente Michel Temer. Com a relativamente baixa penalização dos irmãos — justificada pelo MP devido à importância da delação —, surgiram pressões para a Justiça rever o próprio acordo, algo que exigirá alguma acrobacia interpretativa da Lei 12.850 por parte da Corte.
Terá de ser um julgamento cuidadoso, porque permitir revisão na Justiça dos termos do acordo de delação poderá significar sua extinção, pois acabará a atratividade da colaboração para corruptos e corruptores. Um presente dos céus a ambos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário