- O Estado de S.Paulo
Quem se dispôs a acompanhar a agenda de Temer nos últimos dias, pode acusá-lo de tudo, menos de paralisia. Numa semana de vale-tudo, ele comandou uma suada articulação para derrubar o relatório do deputado Sérgio Zveiter (PMDB-RJ) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) – ou, como queiram, patrocinou um frenético troca-troca de integrantes da comissão –, garantindo sua sobrevida na Presidência, pelo menos até o começo de agosto. E esteve à frente de negociações de última hora para aprovar a reforma trabalhista, troféu a ser exibido a quem duvidava do avanço de suas propostas econômicas. Uma “produtividade” combinada com “generosidade”, como há tempos não se via.
O tamanho dessa equação aparece com nitidez nas estatísticas da liberação de emendas parlamentares, justamente aquele item que a equipe econômica incluiu entre os mais atingidos quando decretou o bloqueio de gastos para cumprir a meta fiscal do ano. Segundo levantamento do Siga Brasil, do Senado, até o dia 6 de julho foram empenhados cerca de R$ 2 bilhões em emendas de deputados federais e senadores, quase um terço do programado para o ano: para deputados, foi o correspondente a R$ 1,72 bilhão. Ainda não foi captado pelo Siga Brasil, mas a corrida dos últimos dias para premiar os amigos do Planalto teria resultado num valor espantoso, de quase R$ 2 bilhões só em 13 dias de julho. E tem mais: segundo reportagem publicada na edição de domingo do Estado, 39 dos 40 deputados que votaram a favor de Temer na CCJ receberam emendas no valor de R$ 266 milhões no período que vai de junho à segunda semana de julho.
Para os políticos/empresários/lobistas que compareciam ao Planalto atrás de verbas e ouviam um sonoro não, acompanhado da ladainha do ajuste fiscal, a conclusão é uma só. Nada como um governo fragilizado para se tornar sensível aos pedidos dos aliados, sejam eles fiéis ou, mais ainda, candidatos à infidelidade. A essa boa vontade com os parlamentares, junta-se também a proatividade na distribuição e na promessa de verbas para vários setores. Na terça-feira passada, por exemplo, Temer participou do evento em que o Banco do Brasil destinou R$ 103 bilhões para o Plano Safra 2017/2018, no dia seguinte anunciou um programa de R$ 11,7 bilhões para obras de infraestrutura e, na quinta-feira, confirmou verba de R$ 1,7 bilhão para a Saúde, entre outras finalidades para ampliar compras de ambulâncias e reforçar o atendimento a famílias. A conversa agora é que, aproveitando a “janela de oportunidades” até a votação no plenário da Câmara, o governo recorrerá a uma agenda positiva: leia-se, vem mais dinheiro por aí.
É tudo normal, argumentam o governo e seus técnicos. Desde que o mundo é mundo, emendas parlamentares são moeda de troca nas votações decisivas. Além disso, essa verba já consta do Orçamento e tem de ser empenhada no exercício ao qual se refere. Quanto aos outros gastos, trata-se de uma ação para não deixar a máquina pública parar ou para melhorar o desempenho de setores prioritários.
Até pode ser. Pesaria a favor desse comportamento, inclusive, a própria atividade econômica, que reage muito mais lentamente do que seria desejável e emite sinais de que ainda precisa de amparo para se reabilitar, como mostrou o IBC-Br do Banco Central de maio, de novo em queda, frustrando quem acreditava que a retomada já estava consolidada.
Fica difícil, porém, justificar essa “normalidade”. Antes de mais nada, a evolução dos números deixa pouquíssimas dúvidas sobre a contaminação dos critérios utilizados na liberação de emendas parlamentares – por mais que elas se refiram a projetos importantes para determinadas áreas e/ou redutos eleitorais. E mesmo os tais programas setoriais talvez exigissem um pente finíssimo antes de sua concretização. Afinal de contas, não foram os próprios integrantes da equipe econômica que alertaram para a iminente necessidade de um corte nas despesas obrigatórias? Para a grande maioria da população, leiga em contabilidade mas interessada no destino dos recursos públicos, não está claro o essencial. Qual a dimensão da penúria do governo? E se o dinheiro é escasso, está bem aplicado? Ninguém é contra “generosidade”, mas inspira uma certa desconfiança o fato de ela se manifestar em plena crise de governabilidade. Mais transparência, senhores.
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