- O Estado de S. Paulo
Emprego melhora, mas agenda de ‘modernização’ trabalhista empaca
Se para os especialistas a saída da recessão já é assunto superado, para a percepção dos cidadãos comuns ainda falta o essencial: uma melhora robusta no mercado de trabalho. Por melhora robusta entenda-se a perspectiva de arrumar emprego em um período razoável, com salários e outras condições igualmente razoáveis, e o fim da “condenação” de se agarrar a um posto de trabalho considerado insatisfatório, simplesmente pela falta de mobilidade do mercado. Os mais otimistas acreditam que esse cenário não é uma ficção e pode ser confirmado em breve, mas convém manter um pé atrás. Pecam pelo exagero nas avaliações sobre a evolução do emprego no Brasil, assim como acontece no caso do desempenho do PIB. Tanto no curto como no médio e longo prazo.
Que a situação já esteve bem pior, é evidente. Mas que está numa trajetória firme e rápida de recuperação, ainda há dúvidas. A criação de vagas com carteira assinada, segundo o Caged, fechou no azul pelo sexto mês seguido e o saldo de postos abertos de janeiro a setembro chegou perto de 209 mil, ampliando as chances de um resultado positivo no ano. A taxa de desemprego, medida pelo IBGE, caiu no trimestre de junho a agosto para 12,6% da população economicamente ativa, menor nível desde o trimestre encerrado em janeiro, e essa queda já aparece em vários setores e vem acompanhada por uma estabilidade na renda – embora ainda haja um contingente de 13,1 milhões de pessoas sem ocupação.
Por dentro desses grandes números, contudo, escondem-se alguns indicadores preocupantes. Para começo de conversa, as estatísticas que atestam a recuperação dos empregos formais têm algumas nuances a serem consideradas. Segundo estudos de algumas instituições financeiras e consultorias, o aumento de vagas está abaixo das expectativas do mercado e, ajustado por critérios de sazonalidade, apontaria de fato para uma redução de postos de trabalho. Além disso, é preciso qualificar esse movimento. O crescimento da mão de obra ocupada está escorado nos empregos informais. E, no mercado formal, o que aumenta é o número de vagas que exigem pouca ou nenhuma qualificação, como mostra reportagem publicada na edição de sexta-feira do Estadão. Até aqui nada de anormal: costuma ser exatamente esse o ponto de partida para a reativação do mercado de trabalho. Mas essa “normalidade” também tem de ser lida como um sinal de que ainda há um bom caminho pela frente.
No médio e longo prazos, a evolução do mercado de trabalho no Brasil também dá margem a várias interrogações. E não só em relação ao impacto do PIB na geração de empregos – que, por sinal, vem se reduzindo ano a ano, por força das mudanças tecnológicas. A reforma trabalhista estava entre os objetos de desejo das empresas justamente por seu impacto sobre segurança jurídica, custos e produtividade, ainda que sem qualquer garantia de um efeito direto e imediato em abertura de vagas.
Mas, pelo jeito como as coisas andam, nem mesmo a expectativa de segurança jurídica está sendo atendida. Parte da Justiça do Trabalho se nega a reconhecer as novas regras e, em consequência, continuarão na mira das ações trabalhistas tanto a prevalência do “acordo entre as partes sobre a legislação” quanto as diretrizes para a terceirização – estas fixadas às pressas, atropelando inclusive um projeto mais bem acabado que estava em tramitação no Senado.
Perdido no meio de negociações e concessões de toda ordem para se equilibrar no cargo até o final do mandato, o governo se descuida da própria agenda de “modernização” das relações trabalhistas. Nesse sentido, é exemplar a portaria que flexibiliza a identificação e, por tabela, as punições ao chamado trabalho escravo, editada para atender principalmente às pressões da bancada ruralista, às vésperas da votação da denúncia contra Michel Temer.
Sob ataque de várias frentes, inclusive no próprio governo, e aplaudida por centrais empresariais, a portaria agora estaria “sujeita a modificações”. O que tem se tornado uma prática do governo, quando medidas polêmicas são anunciadas e, digamos, “pegam mal” na sociedade. Quem imaginava que a agenda de Temer mirasse o futuro e pacificasse as relações trabalhistas acabou sendo surpreendido com um retrocesso, ditado pelas conveniências políticas do momento.
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