- O Globo
O Uma querida amiga disse que leu um artigo meu três vezes para entender bem. Prometi que na próxima, reescreverei três vezes. Italo Calvino disse que o texto do século XXI teria de ser leve. Mas como são pesados os temas do Brasil de hoje. ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse que os comandantes da PM estão ligados ao crime e que o governo não controla sua polícia. Não ficou aí, nessa sinistra generalização. Disse que a esperança de mudar só viria mesmo após as eleições de 2018. Estamos em novembro de 2017. Quantos tiroteios, quantas balas perdidas, quantas mortes nos esperam até lá? Se o quadro é esse mesmo que o ministro pintou, o governo federal deveria fazer algo para transformá-lo.
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou há algum tempo que havia relação entre políticos e o crime organizado. Eles precisam de voto, o crime organizado controla mais de 800 pontos apenas no Rio. Quem vai à Baixada, viaja a cidades como Campos e Macaé ou cruza a Baía de Guanabara, vai até Niterói, constata que o número de territórios ocupados é muito maior.
Jungmann propôs uma força-tarefa para desvendar os vínculos entre crime e política no Rio. Raquel Dodge concordou. Até aí, tudo bem.
Uma revelação bombástica antes mesmo da força-tarefa começar o seu trabalho é inadequada. Acaba complicando a vida das pessoas já amedrontadas no seu cotidiano. O ministro Jardim nem mata a cobra nem mostra o pau. É como se dissesse: “Xi, a segurança está na mão de bandidos mas isso pode mudar depois de 2018.”
Felizmente não é bem assim. Ouvi alguns amigos da PM e eles garantem que há bons e honestos comandantes.
O Rio foi abalado por um governo que era, na verdade, uma organização criminosa. Todas as estruturas do poder foram de alguma forma contaminadas. Certamente será necessário um paciente e árduo trabalho com ajuda federal para desfazer todas as teias, os nichos da corrupção.
Quando o Exército veio pela primeira vez nessa crise, defendi a ideia de que deveria estabelecer um contato maior com a sociedade, oferecer um trabalho comum. Com as formas de comunicação de hoje seria possível criar um sistema de defesa muito mais poderoso. A própria sociedade se mexe. O aplicativo OTT (Onde Tem Tiroteio) é um um dos exemplos disso.
Nas primeiras investidas, a operação fez inúmeros cercos, apreendeu poucas armas. Era uma indicação de que o trabalho de inteligência precisava melhorar. Da soma que o governo federal destinou, foram usados apenas 22% para enfrentar a crise de segurança pública no Rio. E os cercos são a tática mais cara com menores resultados.
No meio do áspero caminho, uma crise no relacionamento entre os governos. Parecia haver algo no ar entre o ministro Jungmann e as autoridades estaduais de segurança. Ao invés da possibilidade de uma cooperação em grande escala, incluindo as pessoas que vivem aqui, o que nos ofereceram foram crises de relação, desconfiança mútua.
É preciso formar um bloco bem intencionado entre as forças de segurança. E pedir a ajuda da sociedade. Não temos armas. Mas o conhecimento coletivo é um instrumento que potencializa o trabalho armado, em certas ocasiões, pode até dispensá-las.
De uma certa forma, a luta contra o terrorismo na Europa e nos Estados Unidos, os esforços emergenciais após uma catástrofe natural — todos esses grandes embates demandam um vínculo através da rede. Nas inundações do Texas foi impressionante acompanhar o mapa das pessoas ilhadas; bastava clicar no ponto que aparecia a mensagem: falta comida, dificuldade de respirar, rompeu a bolsa d’água. Um terrorista procurado na Europa pode ter seu retrato passado para todos os smartphones de uma extensa área onde opera.
O potencial de descobrir os caminhos para programas que reforcem a segurança no Rio não está em governos combalidos, mas na própria sociedade. Como acionar esse poder sem ter o mínimo de credibilidade? O que os que ainda sobrevivem nos governos poderiam pelo menos tentar. E tentar com uma visão clara do que distingue propaganda de resultado real.
O grande problema não é só que os bandidos furam facilmente os cercos. O difícil é furar os cercos mentais que às vezes dominam as cabeças no governo. Quase todas têm medo de falar com pessoas reais. Preferem fazê-lo através das grandes máquinas de propaganda que filtram as críticas ou enfatizam as pequenas vitórias.
Sem que os sobreviventes no governo peçam socorro e a sociedade lhes dê mão, não vai prosperar uma defesa real diante da crise de segurança. De outra forma, voltamos aquela história de esperar 2018. É muito tempo, sobretudo para os que perdem a vida em segundos nas ruas do Rio.
É tudo tão grave, certamente não é uma dessas dores estranhas que simplesmente passam se ficamos em repouso. Nossas chances dependem também da percepção do abismo: quanto mais rápida, melhor.
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É jornalista
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