- Valor Econômico
Há um risco de se voltar a uma agenda de busca a qualquer preço do crescimento, sem um mínimo de racionalidade
Faço parte de uma geração que viveu de forma intensa e com um certo protagonismo um longo ciclo político - quase 30 anos - que agora chega a seu fim. Poderíamos chamá-la de geração do Plano Real. Desculpe-me o leitor do Valor por um pouco de pessimismo que acompanhará minhas reflexões a seguir, mas este é o sentimento que tenho hoje.
Tudo começou em 1986 quando fomos chamados a trabalhar no governo José Sarney, depois que a equipe montada pelo presidente eleito Tancredo Neves foi descartada por divergências na condução da economia. O novo grupo chamado era composto por técnicos de três escolas de pensamento econômico, com divergências teóricas de grandes proporções. Mas a necessidade de enfrentar a perda de controle sobre a inflação falou mais forte e uma primeira tentativa de estabilizar o sistema de preços, fora da visão tradicional de combate à inflação, foi construída a seis mãos. Foi chamado pela imprensa de Plano Cruzado e que, depois de um sucesso inicial que mobilizou a sociedade, terminou em um retumbante fracasso.
Mas deixou uma mensagem clara de que a hiperinflação era o grande inimigo da sociedade e que ela estava disposta a grandes sacrifícios para voltar a ter a estabilidade monetária como padrão em suas vidas.
Com a ascensão de Itamar Franco ao Palácio do Planalto, e a entrada de FHC no Ministério da Fazenda, as lições do Plano Cruzado foram novamente colocadas no topo da agenda do novo ministro. Fernando Henrique Cardoso havia sido um dos poucos políticos que tinha entendido a mensagem das ruas durante o curto período de sucesso do Cruzado. Agora no governo, não perdeu a chance de liderar uma nova tentativa de lutar contra a hiperinflação.
O sucesso extraordinário do Plano Real permitiu que um político sem vínculos populares e com uma base partidária limitada chegasse, em uma eleição direta e com grande legitimidade, ao comando político da nação. Nos anos seguintes o novo presidente usou sua força política para redefinir as alianças partidárias, introduzindo de fato um sistema binário de poder e com referências claras com situação (PSDB e aliados) e oposição (PT e aliados).
Ao longo do segundo mandato de FHC erros na gestão da economia e crises externas minaram a força política do governo e fortaleceram as forças de oposição em sua crítica ao Plano Real. Este processo de enfraquecimento do PSDB culminou com a crise de confiança, às vésperas das eleições de 2002, e a necessidade de um programa de ajuda junto ao FMI.
Mas a geração do Real seria resgatada com a mudança realizada pelo presidente Lula em sua equipe econômica. Com a liderança do ministro Palocci e do presidente do Banco Central, o ex-tucano Henrique Meirelles, o soft econômico de FHC voltou a ser utilizado com eficiência por quem sempre o criticou. Estas mudanças foram reforçadas por um fator externo positivo representado pela extraordinária valorização das commodities exportadas pelo Brasil em função da demanda chinesa. Entramos em um período de ouro, com um crescimento econômico bem acima de nossa média histórica, tendo como sustentação o arcabouço criado pelo Plano Real para a condução de uma política econômica de curto prazo.
Mas faltou ao governo do PT o conhecimento correto da gestão de mais longo prazo de uma economia de mercado como a brasileira. Entusiasmado com o próprio sucesso e pela aprovação de mais de 80% da população, o governo Lula entrou na armadilha conhecida de todos os governos populistas de esquerda: explorar até o limite a expansão pelo consumo. Esta conta chegou no primeiro mandato da presidente Dilma, quando a bolha de consumo se esgota e os desequilíbrios macro e microeconômicos levam a uma crise terminal do modelo petista de crescimento.
Logo após assumir o comando do país o presidente Temer montou uma equipe econômica, agora sob o comando do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, que replicava a equipe original de FHC em 1994 e que ficou com a responsabilidade de administrar a terrível recessão que vivíamos então, com uma queda de quase 10% no PIB, aumento brutal do desemprego e queda do consumo e renda da população. Os primeiros sinais de recuperação cíclica apareceram nos últimos meses de 2017 e certo otimismo com o ano de 2018 trouxeram de volta a esperança de que a racionalidade econômica nos levasse à mudança de governo sem uma ruptura radical no soft econômico do Plano Real.
Mas acontecimentos políticos e erros na gestão da recuperação cíclica - de que tratei em colunas anteriores - nos trouxeram, às vésperas da eleição, a uma nova situação de crise econômica grave e um grande descrédito popular em relação às lideranças políticas tradicionais. O quadro eleitoral de hoje, com o colapso da antiga polarização PSDB e PT, tornou-se altamente incerto e sem um mínimo de racionalidade à vista. Projetando as incertezas de hoje para 2019 não temos como não temer uma desorganização do sistema de partidos enquanto um novo padrão de referência não for estabelecido no Congresso.
E como consequência desta instabilidade, corremos o risco de voltar à gestão da economia sem marcos de referência racionais e o retorno de uma agenda de busca, a qualquer preço, de um crescimento impossível de ser alcançado sem um mínimo de racionalidade e disciplina.
-----------------------
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário