- Folha de S. Paulo
Partido, porém, preferiu manter sua pureza ideológica na oposição
Em tom emotivo de “sangue, suor e lágrimas”, ecoando filme que recentemente saiu de cartaz sobre a luta de Churchill para convencer os políticos ingleses a não fazer acordo com Hitler, meu colega Celso Barros, na coluna de segunda-feira (8), fez chamamento ao PT: “Que seja digno de sua hora!”.
Que supere ressentimentos, reconheça erros, se distancie das ditaduras latino-americanas, e que seja capaz de construir um programa econômico que incorpore todas as forças democráticas, da centro-direita até a esquerda.
Esse programa envolveria, na minha visão: reforma da Previdência na linha da de Michel Temer; elevação da carga tributária sobre os mais ricos; congelamento por alguns anos dos salários nominais dos servidores; congelamento por alguns anos do valor real do salário mínimo; alguma flexibilização do teto do gasto para permitir elevação do investimento, na linha dos Planos Pilotos de Investimento do acordo que tínhamos com o FMI; entre tantas outras medidas.
Adicionalmente teriam de ser abandonadas ideias como ampliar a participação social no CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), controle social da mídia, e outras formas de democracia direta.
Tudo isto para evitar que Fernando Haddad, e com ele as forças democráticas, seja derrotado no segundo turno pelas forças autoritárias.
O movimento teve início com a autocrítica de Tasso Jereissati (PSDB), propositalmente antes do primeiro turno. Evidentemente o PT não aceitou o gesto.
Celso não percebeu. Seu chamamento requer mais do que o PT pode dar. Renegar Cuba, Venezuela, Nicarágua e fazer um claro movimento para o centro significa, entre outras medidas, repensar toda a narrativa que foi construída sobre como chegamos até aqui.
Refazer a narrativa não é algo menor. Requer abertura e capacidade de enxergar o outro que somente os verdadeiros democratas têm.
Para o PT, o crescimento da direita é de responsabilidade da campanha eleitoral reacionária que José Serra fez em 2010. Para o PT, a profundidade da crise é culpa de Aécio Neves que não aceitou o resultado eleitoral de 2014. Para o PT, o desastre da Venezuela, a maior tragédia social que se abateu sobre a América Latina nos últimos 50 anos pelo menos, é culpa da oposição venezuelana reacionária.
Essencialmente a culpa é do grupo político que perdeu as últimas cinco eleições.
Uma das características dos movimentos autoritários é acreditar piamente em suas próprias narrativas.
Mesmo Haddad, que representa o melhor do PT e na pessoa física é um democrata convicto, está cego. Não enxerga a outra margem do rio. Ficará em sua trincheira.
O PT, apesar do que parecia, não foi civilizado pela queda do Muro de Berlim.
José Álvaro Moisés, Francisco Weffort, Paulo Delgado, Airton Soares, Cristovam Buarque, Marina Silva, Eduardo Jorge, Hélio Bicudo, Marta Suplicy e tantos outros verdadeiros social-democratas saíram do partido.
A eleição saiu muito barata para o partido. O PT está no lucro: sólida bancada na Câmara e três governos estaduais, com a possibilidade de ganhar um quarto. O partido se prepara para fazer oposição a Jair Bolsonaro e talvez ganhar em 2022.
Entre atender ao chamamento de Celso de liderar uma frente democrática ampla ou manter a sua “pureza ideológica” na oposição, o PT optou pelo segundo caminho.
Votarei nulo ou em Haddad. Bolsonaro é o mal maior. No entanto, deverá ganhar. O PT tem dado mostras de que não está à altura de sua hora maior.
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Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.
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