Escolhido para o Itamaraty, Ernesto Araújo abraça com fervor o antiglobalismo de Trump
De modo geral, o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), tem dado sinais de moderação nas escolhas para seu ministério. Na maior parte dos nomes anunciados até aqui, vê-se mais qualificação técnica do que militância ideológica. Uma dúvida se criou, entretanto, na pasta das Relações Exteriores.
Não que sejam insuficientes as credenciais do futuro chanceler. O embaixador Ernesto Araújo está perto de completar 29 anos nos quadros do Itamaraty —uma das burocracias mais bem preparadas da máquina federal— e ocupa hoje o posto de diretor do Departamento dos Estados Unidos, Canadá e Assuntos Interamericanos.
Já havia causado espécie, todavia, o apoio aberto do servidor público à candidatura Bolsonaro. Ainda na campanha, reportagem desta Folha mostrou que Araújo criara um blog em que defendia o capitão com o mesmo fervor dedicado a satanizar os adversários petistas.
Manifestações do gênero não são vedadas na diplomacia, embora destoem da discrição normalmente associada à atividade. Mais inquietantes se mostram teses esposadas pelo embaixador.
Refratário aos organismos multilaterais, ele se propõe a lutar contra o globalismo, tarefa que equipara ao cultivo da "fé em Cristo" —seu compromisso com a laicidade do Estado não parece sólido.
Nesse aspecto Araújo se alinha, portanto, ao presidente americano, Donald Trump, a quem atribui a missão de salvar o Ocidente do "marxismo cultural". Nessa pitoresca visão de mundo, a China estaria por trás de um "novo eixo socialista latino-americano".
O aquecimento global é outro alvo de Araújo. Para ele, a despeito da adesão de quase 200 nações ao Acordo de Paris em 2015, trata-se de "uma tática globalista de instilar o medo para obter mais poder".
Não são banais os riscos envolvidos na conversão de tais ideias em políticas de governo. No campo econômico, ao considerar Pequim a grande ameaça externa, o futuro chanceler pode estremecer as relações com o principal parceiro comercial do Brasil.
Já o abandono do Acordo de Paris deixaria o país apenas na companhia dos EUA —e os danos de imagem daí decorrentes tendem a prejudicar o próprio agronegócio que se pretende defender.
Em poucos dias desde que foi eleito, Bolsonaro acumulou rusgas diplomáticas desnecessárias. Indispôs-se com o mundo árabe, por exemplo, ao aventar a mudança da embaixada em Israel para Jerusalém, declarando depois que a medida não estava decidida.
Espera-se, nessa seara, que ceda ao pragmatismo e preserve as melhores tradições da chancelaria brasileira, amparadas no multilateralismo e no diálogo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário