O relacionamento do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), com o Congresso é um enigma, cuja resolução determinará o sucesso ou fracasso de seu governo. Egresso de um partido minoritário que se tornou a segunda maior bancada na Câmara dos Deputados, Bolsonaro terá de se adaptar a um ambiente de negociações permanentes a que não está acostumado, apesar de frequentar a Casa por quase 30 anos. As expectativas que criou e terá de alguma forma responder dificultam essa tarefa - a de que a velha política, os políticos que dela se beneficiaram e o produto básico de sua ação, a corrupção, estão com os dias contados.
A primeira decisão de Bolsonaro a respeito do jogo parlamentar foi adequada e lógica. O presidente eleito abre mão de que os presidentes da Câmara e do Senado sejam de seu partido, até porque a capacidade do PSL arregimentar forças mais amplas no Congresso está para se provada e será preciso contar com interlocutores que possam fazer a mesma tarefa, com mais proveito de menos desgaste. A partir deste ponto, as coisas se complicam.
O deputado Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil, colecionou desafetos ao relatar as dez medidas anticorrupção ante uma Câmara repleta de alvos da Lava-Jato. Sua capacidade de articulação pode ser importante nos bastidores, mas será preciso alguém com mais capacidade de interlocução no Congresso. No momento, em uma configuração que pode mudar, Rodrigo Maia (DEM-RJ) postula continuar na presidência da Câmara e, no Senado, que teve maior taxa de renovação que a Câmara, os ventos no momento sopram para o lado do senador Renan Calheiros (PMDB-AL).
Há um esboço de blocos em formação. Maia tentará a reedição de um que aglutine os partidos do "centrão", seja para levá-lo à presidência da Casa, seja para barrar ameaças, vindas da equipe de Bolsonaro, de "tratorar" o Congresso. O centrão foi o fiel da balança nos governos Dilma e Temer, e tende a se aproximar do governo no início, mas este roteiro pode ter envelhecido.
Até agora, pelo menos, Bolsonaro e sua equipe não estão loteando seu ministério em cotas partidárias e sim escolhendo nomes de seu agrado, vários sem coloração partidária, como os generais e o juiz Sergio Moro. Ao negar a barganha política por cargos, a via principal de acesso do centrão ao poder está interditada, não se sabe até quando, mas terá de ser desobstruída porque várias reformas imaginadas pela equipe econômica precisarão de apoio de dois terços do Congresso, a começar pela reforma da Previdência. A coordenação política terá de ser grande malabarista em meio a interesses contraditórios e insatisfações, e ela será construída a partir do zero, porque o PSL era, até há pouco, inexistente no Congresso.
A médio prazo há chances de uma reconfiguração profunda das forças políticas em função da surra dada pelos eleitores nos partidos tradicionais. Outro estímulo a esse redesenho será o maior realismo das próximas eleições, que não mais admitirão coligações partidárias nas eleições proporcionais e a régua da cláusula de barreira subirá mais um pouco. Os partidos já levam em conta este horizonte.
À esquerda, a derrota eleitoral e a prisão de Lula abrem uma disputa para ocupar o espaço perdido pelo PT. Ele é objeto de articulações que passam ao largo do petismo, reunindo Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e tentam atrair o PSB e o PCdoB. Reunidas, estas forças têm hoje mais peso no Congresso que a bancada do PT, ainda a maior.
Ao centro, o PSDB tenta colar seus cacos e sobreviver. As forças ascendentes no partido se colocam bem mais à direita do que estão os velhos caciques paulistas, apoiam Bolsonaro e um racha é mais que provável. Este roteiro contempla a criação de um "centro radical", cujo programa econômico liberal é o do PSDB de sempre, embora com feições sociais mais delineadas. Reconstruir o centro será mais fácil se Bolsonaro insistir na polarização, colocando em risco seus projetos no Congresso, e mais difícil se ele mostrar uma habilidade de negociação que até agora não mostrou.
Se a ascensão de Bolsonaro implodiu PT e PSDB, seu governo possivelmente assistirá à reconfiguração tanto da esquerda como do centro. Sobra o centrão que precisará ser conquistado com nacos do poder, mas este aceno ainda não surgiu do campo de Bolsonaro. A escolha de líderes do Congresso e a formação do restante de seu ministério e segundo escalão darão pistas de por onde Bolsonaro seguirá em sua aventura legislativa.
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