- Valor Econômico
Governo Temer cedeu à pressão do empresariado
O governo Michel Temer, em seus estertores, ignorou o que havia prometido no documento "Uma ponte para o Futuro" e sucumbiu à pressão de setores do empresariado que insistem em impedir - ou pelo menos postergar o quanto possível - a abertura da economia brasileira.
Na semana passada, o presidente suspendeu uma decisão praticamente consensual da Câmara de Comércio Exterior (Camex) que reduziria as tarifas de importação de bens de capital, informática e telecomunicação, episódio que terá desdobramentos no próximo governo. O caso também serve de exemplo ao presidente eleito Jair Bolsonaro e ao futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, de como a articulação política com as frentes parlamentares temáticas se tornará uma via de mão dupla.
Bolsonaro e seus articuladores políticos já avisaram que intensificarão a interlocução com as frentes parlamentares, com o objetivo de driblar as lideranças que personificam a velha política tão criticada em sua campanha eleitoral. No entanto, são justamente esses mesmos agrupamentos suprapartidários que representam setores organizados da sociedade dispostos a manter privilégios e conseguir tratamentos diferenciados frequentemente transformados em despesas para os cofres públicos.
O empresariado sempre apostou nas frentes temáticas para defender seus interesses em Brasília. E foi exatamente para quem recorreu a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) na noite do dia 11, após a conclusão da última reunião do ano, e portanto também a última do governo Temer, do Conselho de Ministros da Camex.
O colegiado acabara de aprovar resolução para reduzir, em 2019, as tarifas de importação de 14% para 4% de máquinas e equipamentos. A decisão, que deveria ser mantida sob sigilo até sua divulgação oficial, decorreu de uma sugestão do Ministério da Fazenda para que o tema, que há tempos era debatido internamente no governo, fosse recolocado em discussão e votado.
Quase todos os membros do conselho se mostravam favoráveis à medida, até por que as negociações para um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia fracassaram. Mas o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) impunha fortes resistências à iniciativa e, mesmo alegando que o tema precisaria ser mais bem discutido, saiu derrotado da reunião.
A reviravolta é descrita em detalhes em um informativo da Abimaq enviado aos seus associados, na qual a entidade comemora o sucesso da articulação realizada às pressas depois de recebido relato do que tinha ocorrido na reunião da Camex. "Fomos a Brasília mesmo sem qualquer agenda para tentarmos evitar a aprovação por parte da Presidência da República. As primeiras respostas foram de que a decisão havia sido tomada e que a alteração seria irreversível", descreve a nota.
Na capital federal, continua o informativo, o deputado Mauro Pereira (MDB-RS), da Frente Parlamentar da Indústria de Máquinas foi acionado e ajudou a associação a conseguir uma série de reuniões. A primeira foi com o líder de seu partido, Baleia Rossi (SP), que então teria levado a demanda à Casa Civil. A partir daí, ainda de acordo com a Abimaq, ocorreram uma série de encontros com ministros e até mesmo com o presidente Michel Temer, na quinta-feira. "Apresentamos nossos argumentos e finalmente tivemos a garantia, por parte do presidente Temer, que a decisão da redução das alíquotas de importação de 14% para 4% será revertida. Se comprometeu que neste governo esta alteração não ocorrerá", comemora a instituição no mesmo informativo.
Na mesma semana, o governo abriu o mercado de aviação, mas não repetiu o feito em relação a outro setor estratégico. De quebra, também rasgou o "Uma ponte para o futuro". Quando foi divulgado em 2015, o documento foi visto como uma espécie de programa de governo que seria adotado se de fato a ex-presidente Dilma Rousseff sofresse um impeachment. Ele era claro ao tratar do tema: "Devemos nos preparar rapidamente para uma abertura comercial que torne nosso setor produtivo mais competitivo, graças ao acesso a bens de capital, tecnologia e insumos importados".
Depois de conseguir evitar a redução das tarifas no atual governo, o setor de máquinas e equipamentos passará a ter como desafio construir uma saída negociada com a equipe que assumirá o comando da economia a partir de janeiro e obter compensações que reduzam seus custos de operação. Afinal, a plataforma econômica que obteve vitória nas urnas é liberal, comprometeu-se com a abertura comercial e a redução de "muitas alíquotas de importação", além da assinatura de novos acordos comerciais bilaterais.
As análises e os estudos elaborados no atual governo sobre os impactos da abertura econômica já foram disponibilizados ao futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Por outro lado, as engrenagens que inviabilizaram a concretização da decisão do Conselho de Ministros da Camex também estarão montadas e prontas para serem acionadas novamente. E podem tentar novamente obstruir tomadas de decisões, mesmo que a mudança estrutural na configuração da Esplanada dos Ministérios em elaboração pela equipe de transição transforme mesmo a Câmara de Comércio Exterior numa espécie de conselho consultivo em razão da concentração de pastas num só Ministério da Economia.
O Brasil precisa passar por um choque tecnológico positivo e aumentar a produtividade das empresas. Além disso, havendo mesmo um reaquecimento da economia nos próximos meses, possivelmente companhias de diversos setores terão que incluir em seus planos de negócio a renovação de seus parques industriais. Não será surpresa se o caso for revisto pelo próximo governo e até mesmo acabar sendo objeto de representação na Comissão de Ética Pública da Presidência da República.
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