- O Estado de S.Paulo
Governo insiste em reforma ousada, mas já há apostas nos pontos que vão cair
Lá atrás, nos primeiros tempos do governo Temer, porta-vozes da área financeira, dos setores produtivos e especialistas diziam acreditar piamente que sairia uma reforma da Previdência ao gosto dessa parcela da sociedade. Por isso mesmo, enquanto a atividade econômica patinava, os mercados seguiam firmes e fortes.
Mais tarde, quando o cenário político começou a se misturar com o policial, envolvendo os ocupantes do Palácio do Planalto na Lava Jato, a confiança numa reforma parruda foi sendo minada. Mesmo assim, o raciocínio que sustentava a alta das bolsas e o sossego do câmbio era “melhor uma reforma mais fraca do que nenhuma”. Seguindo esse roteiro, a reforma ficou cada vez mais fraca, a ponto de cair pela metade a previsão inicial de um ganho fiscal na marca dos R$ 800 bilhões em 10 anos, e acabou arquivada pelo governo.
Com a chegada ao poder de Bolsonaro e a turma de liberais de Paulo Guedes, a Previdência volta ao centro da cena, só que agora com expectativas bem mais ambiciosas. A crescente fragilidade das contas públicas e a ousadia das metas repetidas pela equipe econômica, ainda que por meio de declarações desordenadas, dão origem a um novo enunciado.
Não há mais dúvidas sobre a vontade política de mudar a Previdência. Até nas oposições é raro alguém discordar dessa necessidade. Mas agora já não basta qualquer reforma, é preciso fazer “a reforma”. Com tudo que ela tem direito: fixação de idade mínima compatível com as novas características demográficas do País, eliminação de privilégios de setores e categorias, como servidores públicos, militares e políticos, abrangência de regimes previdenciários de Estados e municípios, criação de um regime de capitalização para as futuras gerações e assim por diante. Tudo para estender o “prazo de validade” da reforma, dispensando um novo desgaste para negociar novas mudanças.
Na teoria, tudo perfeito. Mas na prática, principalmente na prática parlamentar, as coisas não são tão simples. Guedes, que antes da posse desembarcou em Brasília ungido como superministro e logo arranjou uma pinimba com o então presidente do Senado, Eunício Oliveira, se já não está ciente das limitações do seu cargo, logo estará.
Antes de qualquer coisa, ele terá de convencer Bolsonaro da conveniência das suas propostas. E esse trabalho de convencimento está sendo adiado pela permanência do presidente no hospital mais tempo do que o previsto. Além disso, terá de arregimentar apoiadores nas duas casas do Congresso – com base no reforço e/ou início de aproximação com os novos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Maia, defensor da prioridade absoluta à reforma da Previdência, mesmo sacrificando a tramitação do pacote anticrime de Moro, já advertiu que ainda não há os 308 votos necessários na Câmara, mas se “organizar direitinho”, dá para chegar lá. E, com essa missão, trata inclusive de atrair os governadores.
Enquanto essa coreografia vai se desenhando, todos os interessados se perguntam qual é, de fato, a reforma que está na cabeça da equipe econômica. Vale dizer, a proposta pela qual o governo vai batalhar para valer, durante as conversas com o Congresso. Por mais que a retórica seja na linha “queremos tudo” – um ganho fiscal calculado em até R$ 1,3 trilhão em 10 anos –. já há apostas nos pontos do texto preliminar que não sobreviverão às negociações.
O primeiro da fila é a equiparação entre homens e mulheres na fixação da idade mínima para aposentadorias – regra que, já se sabe, desagrada ao próprio Bolsonaro. O segundo é o regime de transição, considerado duro, com um tempo mínimo de contribuição de 20 anos para trabalhadores do INSS, 25 para servidores públicos e 40 anos para garantir o benefício integral. E o terceiro é a desvinculação entre o salário mínimo e o valor dos benefícios a serem concedidos para idosos de baixa renda, de R$ 500 a partir de 55 anos e R$ 750 a partir de 65 anos.
Para muitos observadores, o quadro, desta vez não parece repetir o que aconteceu no governo Temer. Ou seja, uma tentativa de arrancar do Congresso “alguma reforma”. Tudo indica que, agora, pode até ocorrer o inverso. Guedes dá sinais de que busca, ao mesmo tempo, uma reforma da Previdência arrojada, combinada com o que já se identificou como um novo regime trabalhista para quem está entrando no mercado, e ainda com a desvinculação do Orçamento. A avaliação dos críticos é que, nesse caso, falta e excesso de ambição podem levar ao mesmo destino. À frustração dos objetivos e, por tabela, à paralisia do governo.
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