Episódio da volta do Coaf para o Ministério da Economia é mais um caso de descoordenação política
Os primeiros cinco meses demonstraram que as principais dificuldades do presidente Jair Bolsonaro derivam da sua complicada relação com o Legislativo. O desgate precoce é evidente, consequência de uma inédita situação de declínio da confiança do Congresso num governo que tem apenas 21 semanas.
É notável que esse processo de corrosão de credibilidade tenha raízes na tumultuada base governamental. Curiosamente, até agora não se viu no Congresso um único episódio relevante de embaraço ao governo provocado pela oposição.
Caso exemplar ocorreu na noite da última quarta-feira, quando foram apreciadas duas dezenas de vetos presidenciais, metade do governo Michel Temer. Líderes de Bolsonaro realizaram uma negociação sobre a qual, no final, nem mesmo eles se entenderam. Aceitaram a derrubada de alguns vetos presidenciais sem se ater ao potencial aumento do déficit público, com renúncia de receita, anistias — inclusive a partidos — e concessões de incentivos regionais e setoriais.
A confusão entre os líderes governistas teve como pano de fundo a disputa no partido do presidente, o PSL, pela candidatura à prefeitura de São Paulo na eleição de 2020.
O resultado levou um aliado, o Partido Novo, a cobrar coerência do governo “em reduzir o déficit fiscal e reconduzir o país ao caminho da responsabilidade e do crescimento econômico”. A sessão do Congresso acabou em bate-boca entre os líderes governistas, diante de uma oposição manietada pela perplexidade.
A descoordenação política tem sido regra com reflexos diretos no painel de votações da Câmara e do Senado, como se pode ver no episódio da transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Economia para o da Justiça. Nunca um governo amargou tantos obstáculos legislativos para estabelecer sua estrutura administrativa. E, ressalte-se, o Coaf era um detalhe no arcabouço burocrático da nova administração.
Durante semanas, o ministro Sergio Moro conversou com deputados e senadores para convencê-los a manter o órgão na Justiça. Na votação na Câmara, o governo orientou os aliados a retirar o Coaf de Moro, mantendo-o na Economia. Em seguida, no Senado, a liderança governista pediu votos em sentido contrário. Os senadores reagiram, exigindo documento assinado pelo presidente e ministros descrevendo o que o governo realmente queria. As cartas que receberam atestam a desorganização na ação política e o declínio da confiança no Legislativo.
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