A decisão do Supremo Tribunal Federal dispensando autorização legislativa para a venda do controle de subsidiárias de empresas públicas e sociedades de economia mista, tomada em sessão na quinta-feira passada, reparou flagrante intromissão da própria Corte em assunto exclusivo da direção das estatais. Essa correção reduz a insegurança jurídica nos negócios dessas empresas, condição essencial para sua saúde financeira e para a confiança dos agentes privados que nelas investem.
Alguns votos de ministros do Supremo, no entanto, indicam a permanência, naquele tribunal, de uma visão contaminada pela política, o que infelizmente prenuncia mais decisões ideologicamente motivadas como a que acaba de ser derrubada.
Em junho de 2018, uma liminar concedida pelo ministro Ricardo Lewandowski a pedido de funcionários e sindicalistas da Caixa Econômica Federal impediu a venda de empresas controladas pelas estatais, exigindo aval legislativo prévio. A decisão ainda proibiu a dispensa de licitação nos casos em que a venda envolva perda de controle acionário. Assim, monocraticamente, o ministro Lewandowski alterou uma lei aprovada pelo Congresso, a Lei das Estatais, objeto da ação. Foi com base nessa decisão do ministro Lewandowski que sindicatos dos petroleiros e de operadores de refinarias entraram no Supremo para impedir a venda da Transportadora Associada de Gás (TAG), rede de gasodutos da Petrobrás. No dia 26 de maio, o ministro Edson Fachin concedeu liminar atendendo a esse pleito, a despeito do fato de que a venda havia sido realizada sob orientação do Tribunal de Contas da União e depois de analisadas as melhores ofertas. O resultado é que o negócio, fechado pela Petrobrás com o grupo francês Engie por US$ 8,6 bilhões, foi suspenso.
O prejuízo, nesse caso, não é apenas financeiro. Claramente, houve interferência indevida do Judiciário numa decisão exclusivamente empresarial de uma companhia estatal com ações em Bolsa. Com aval do Supremo, os interesses de corporações sindicais se sobrepuseram ao plano de negócios da Petrobrás. Num cenário incerto como esse, é natural que os investidores fiquem em dúvida se devem ou não realizar negócios com a Petrobrás ou qualquer outra estatal.
Felizmente, o plenário do Supremo, ao julgar o caso, decidiu que não há necessidade de aval do Congresso nem de licitação para a venda de subsidiárias de estatais, desde que se respeitem os princípios gerais da administração pública. Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes sustentou, corretamente, que a Constituição determina apenas a necessidade de uma autorização genérica que permita às estatais criarem e administrarem subsidiárias, dispensando-se aval legislativo para a criação ou mesmo a venda de cada uma dessas subsidiárias. “Se precisar de lei específica para cada subsidiária, todas as subsidiárias existentes hoje no Brasil, nos municípios, Estados e União, todas são ilegais. Nenhuma tem autorização específica”, disse Moraes.
Alguns ministros, contudo, decidiram ir além do aspecto estritamente técnico envolvido na questão para reafirmar suas opiniões políticas acerca das privatizações, o que, ao fim e ao cabo, colabora para manter no horizonte o risco de novas interferências indevidas. O ministro Ricardo Lewandowski, por exemplo, afirmou que “havia e há, com efeito, uma crescente vaga de desestatizações que vem tomando corpo em todos os níveis da Federação, a qual, se levada a efeito sem a estrita observância do que dispõe a Constituição, poderá trazer prejuízos irreparáveis ao País”. Já o ministro Luiz Fux fez saber que, em sua opinião, a privatização de estatais, “neste momento, é mais importante que reformar a Previdência, porque os valores reverterão mais celeremente para a União”. E o ministro Luís Roberto Barroso opinou que, “no fundo, nós estamos travando um debate político disfarçado de discussão jurídica, que é a definição de qual deve ser o papel do Estado e quem deve deliberar sobre este papel no Brasil atual”.
Nem se discute quem tem razão nesse debate sobre as privatizações ou o tamanho e o papel do Estado; discute-se, sim, se é adequado que tal debate se dê no Judiciário, cujos integrantes não foram eleitos pelo voto popular direto para decidir sobre isso
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