Mesmo diante da crise fiscal, 16 estados ainda não adotaram a previdência complementar, e 14 praticam a menor alíquota previdenciária permitida em lei, de 11%. O atual projeto de reforma da Previdência torna obrigatório o percentual de 14% para servidores estaduais.
INÉRCIA DOS ESTADOS
Governadores evitam elevar alíquota e recorrer à previdência complementar
Silvia Amorim e Geralda Doca / O Globo
SÃO PAULO E BRASÍLIA - Autorizados há mais de duas décadas pela Constituição a criar regimes de previdência complementar para aliviar o rombo nas contas públicas, mais da metade dos estados (16) cruzou os braços e continua sobrecarregando os cofres estaduais com o pagamento de aposentadorias acima do teto do INSS de R$ 5.839. A maioria dos governos (14) também pratica a menor alíquota previdenciária permitida por lei, de 11%, apesar do quadro de completo desequilíbrio fiscal.
Os números mostram a pequena disposição de governadores para mexer na Previdência do setor público. Hoje, um dos principais debates em torno do projeto é justamente se as mudanças nas aposentadorias ficarão restritas ao governo federal ou se serão estendidas a estados e municípios.
VOTAÇÃO EM SEPARADO
O presidente da comissão especial na Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), disse ontem ter sugerido ao relator da reforma, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), que mantenha todos os entes da federação na proposta. Porém, seria feito um acordo com os líderes dos partidos para votar esse ponto separadamente, via destaque ao texto.
Para ele, a carta de apoio à reforma assinada na semana passada por 25 governadores é insuficiente para fazer com que os parlamentares, sobretudo do chamado “centrão”, aprovem a aplicação imediata das novas regras para os servidores estaduais e municipais. Por isso, vai pedir a governadores a lista com o número de votos dos parlamentares favoráveis à inclusão dos estados.
— Não basta os governadores de PT, PDT e PSB assinarem manifesto de apoio pela permanência dos estados na reforma se toda a bancada vai votar contra —disse Ramos.
A situação previdenciária dos estados é dramática. Em quatro anos, o déficit saltou de R$ 47 bilhões para R$ 88,5 bilhões. São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio têm os maiores rombos em números absolutos. Somente os quatro estados mais novos do país (Amapá, Tocantins, Roraima e Rondônia) não registram insuficiência financeira.
O projeto do governo Jair Bolsonaro propõe que a implementação da previdência complementar deixe de ser opcional e passe a ser obrigatória e que a alíquota mínima de contribuição dos servidores suba de 11% para 14%. Dos 16 estados que ainda não adotaram a o regime complementar, dez mantêm a alíquota de 11%.
A demora em dar resultados é a principal razão para que estados não invistam na implementação de regimes de previdência complementar
— A previdência complementar é algo que só vai começar a aliviar as contas da previdência depois de 35 anos de implementação. Além disso, ela tem um custo de implantação. Qual é o governante que, sem ter dinheiro para pagar as contas agora, vai pensar nisso?
Deveriam pensar, mas essa é a forma do setor público tomar decisão no Brasil — afirma o economista Raul Velloso, um dos entusiastas da inclusão da previdência complementar na reforma de 1998.
A principal vantagem da previdência complementar é acabar com as aposentadorias integrais bancadas pelos cofres públicos. Por esse sistema, o estado paga o benefício até o teto do INSS, e o servidor complementa sua aposentadoria com a contribuição feita ao regime de capitalização. Alguns estados aprovaram projetos no legislativo instituindo o regime, mas eles estão engavetados. É o caso de Paraná e Rio Grande do Norte.
— Não acreditamos que a previdência complementar é a solução do problema. Ela piora o cenário de déficit porque reduz a contribuição do servidor para o regime próprio. Achamos que temos que enfrentar o problema por outro ângulo, como reduzindo a terceirização de mão de obra no setor público — disse o presidente do Instituto de Previdência do Rio Grande do Norte, Nereu Batista Linhares.
No Paraná, Ratinho Junior (PSD) promete enviar novo projeto de lei.
São Paulo foi o primeiro estado a criar um regime de previdência complementar no país e tem o maior sistema em funcionamento, com quase 30 mil servidores, além de administrar a carteira do funcionalismo de Rondônia e, a partir de julho, de Mato Grosso do Sul. O déficit previdenciário paulista foi de R$ 18 bilhões em 2018. Presidente da Fundação de Previdência Complementar do Estado de São Paulo, Carlos Henrique Flory defende que a iniciativa tem retorno a longo prazo garantido.
— No caso de São Paulo, as projeções mostram que a partir de 2040 o déficit vai começar a cair. Se não fosse a previdência complementar, ele seria crescente e, até lá, o estado já teria quebrado.
NO RIO, ALÍQUOTA DE 14%
Nem mesmo quando o cenário é de entrada imediata de recursos nos cofres estaduais para aliviar o déficit previdenciário governantes têm tomado iniciativas para propor mudanças. Dentro do grupo de estados que praticam a menor alíquota permitida por lei (11%), mesmo tendo rombo na Previdência e a possibilidade de subi-la até 14%, a maioria está pendurada na Lei de Responsabilidade Fiscal por gastos com pessoal (ativo e inativo) acima dos limites permitidos.
No Rio Grande do Norte, um projeto que aumentaria a contribuição previdenciária dos servidores de 11% para 14% foi enviado à Assembleia no ano passado, mas acabou sendo retirado por falta de apoio político. O estado compromete hoje 72,1% da sua receita corrente líquida com pessoal — o máximo permitido pela LRF é 60%. Entre outros estados que extrapolaram o teto estão Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Acre.
No estado do Rio, o aumento da contribuição para 14% só foi possível depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) cassou uma decisão que havia suspendido a mudança a pedido de sindicatos de servidores públicos.
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