- O Globo
Presidente tem pouca probabilidade de montar um governo de coalizão, e nem tem essa intenção
Embora na teoria o governo não tenha uma base parlamentar homogênea, na prática todos os projetos econômicos enviados ao Congresso estão sendo aprovados com facilidade. Sinal de que a maioria, de tendência liberal, de centro direita, pode ajudar ainda muito o governo, apesar do próprio presidente, das suas atitudes e pensamentos. Lula e Dilma fizeram maiorias defensivas, sem critérios programáticos, que na teoria existiam para evitar uma ação parlamentar contra eles. Não deu certo para Dilma. Bolsonaro nem isso tem.
Devido a ter uma minoria na Câmara, ao extremismo ideológico, e à retórica agressiva e frequentemente indecorosa, tem pouca probabilidade de montar um governo de coalizão, e nem quer, pois identifica nele, equivocadamente, a gênese da corrupção política no Congresso. Confunde o uso indevido de uma aliança política com o instrumento de governança na democracia.
Já nos projetos referentes a valores e a comportamentos da sociedade, os ruídos são grandes. Ao querer dobrar o Congresso, logo no início de seu governo, acusando os parlamentares de só agirem em troca de favores, Bolsonaro criou uma clima inamistoso mas, ao mesmo tempo, estimulou um sentimento de autodefesa dos deputados e senadores que serviu para revigorar a atividade parlamentar.
Quem entendeu o momento foi o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que partiu para o confronto com o Executivo na defesa da corporação, ao mesmo tempo em que convenceu seus pares de que a única resposta possível às afrontas do presidente seria demonstrar que eles assumiriam o controle das reformas estruturais da economia.
A tendência liberal da maioria facilitou essa ação política, mesmo quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, teve atritos com Maia e deputados, em depoimentos conflituosos nas comissões do Congresso e declarações que criaram ruídos na relação entre Executivo e Legislativo.
O próprio Bolsonaro conseguiu estressar a relação com os políticos através da manipulação das redes sociais, ao ponto de manifestações populares colocarem os presidentes da Câmara e do Supremo Tribunal Federal como alvos centrais dos protestos.
Assim como seu eleitorado extremista é minoritário, também os deputados e senadores que o apoiam não são, em sua maioria, de extrema direita. Os diversos tópicos generalistas que tomam conta da agenda presidencial, como radares nas estradas, armas para os cidadãos, fim de obrigatoriedades diversas de controle, reservas indígenas, não encontram no Congresso, nem na população, o mesmo apoio que têm no nicho eleitoral mais radical de seus eleitores de primeira hora.
Mas, os cientistas políticos sabem, governos minoritários são mais vulneráveis, sujeitos a análises mais aprofundadas por parte dos eleitores e do Legislativo. Bolsonaro tem se utilizado dos poderes que a Constituição outorga no presidencialismo ao chefe do Executivo. Usa e abusa de medidas provisórias, pede urgência para o que não tem, extingue cargos e conselhos que não estão ao seu alcance, força a saída de autoridades com mandatos.
Esses abusos de autoridade estão sendo contidos pelo próprio Legislativo, e pelo Judiciário. Os parâmetros tradicionais para medir a capacidade de gestão do presidente da República foram superados, até o momento, pela maneira de governar de Bolsonaro.
Sem uma coalizão formal, não há, por exemplo, como medir a força de seu partido, o PSL, no Ministério, pois simplesmente esse não é um critério levado em conta. O DEM deu mais ministros que o PSL, que tem a segunda bancada da Câmara.
Mas a legenda pela qual o presidente disputou a eleição não é um partido homogêneo, é um amontoado de políticos oportunistas que surfaram na onda Bolsonaro, ele mesmo um carona de luxo apenas para disputar a eleição.
Só agora é que o presidente está exigindo fidelidade ideológica a seus membros. O grupo que realmente representa um poder majoritário na Presidência é o dos militares, mesmo que vários deles já tenham sido defenestrados, por divergências conceituais e mesmo ideológicas com o presidente.
À medida que governa para poucos e radicais, ele tem uma reduzida visão da necessidade de uma aliança ampla com a sociedade. Exclui de sua ação governamental as minorias, que considera que devem se curvar às maiorias, uma visão nada democrática da arte de governar.
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