- Folha de S. Paulo
O Future-se traz mais incertezas do que saídas razoáveis para o nó na educação
Termina hoje a consulta pública do Future-se —que nome! Assim foi batizada a proposta do Ministério da Educação que pretende ser a cura para a crise crônica do financiamento das 68 universidades federais. Seus orçamentos vêm encolhendo desde 2016, na presidência de Dilma Rousseff, mas chegaram a uma situação insustentável agora que o governo contingenciou 30% dos recursos do setor.
Concebido por quem parece ter pouca familiaridade com a vida universitária e decidiu não se aconselhar com quem tem, o Future-se traz mais incertezas do que saídas razoáveis para o nó que tenta desatar. Desde logo, assim como está, sua aprovação pelo Congresso exigiria considerável esforço político —afinal, trata-se de emendar a Constituição e alterar 17 leis.
Seu cerne é a possibilidade de que o MEC e as universidades, por adesão voluntária, estabeleçam contratos com Organizações Sociais (OS), transferindo-lhes atividades administrativas e de gestão de seus recursos. Criadas por legislação de 1998, as OS não estão submetidas nem à Lei das Licitações, nem à do Teto de Gastos que limita a utilização de recursos hoje administrados por fundações ligadas às principais universidades.
Às OS caberá também gerir o Fundo de Autonomia Financeira a ser criado com receitas de várias origens, como prestação de serviços, doações, convênios nacionais e internacionais, direitos de propriedade intelectual, rendimentos de bens patrimoniais, entre outros.
A proposta contempla ainda um capítulo bisonho sobre internacionalização no qual são apresentadas como novidades práticas de há muito adotadas pelas universidades brasileiras. Um comitê gestor —com participantes não definidos e funções demasiado amplas— ficaria encarregado de supervisionar o programa.
Dotar a universidade de autonomia administrativa e financeira é essencial, e fazê-lo por meio de OS pode ser um bom caminho. Mas o Future-se é tudo menos claro com relação ao papel do MEC, ao número de Organizações Sociais envolvidas, ao escopo de sua atuação e às suas relações com a direção das universidades, criando fundado temor de que venha reduzir o poder já limitado de reitores e colegiados universitários. Especialmente quando o governo tem mostrado apetite para interferir na escolha não só de reitores, mas, depois de portaria de 16 de maio passado, também na de ocupantes de outros cargos de direção.
As universidades públicas —entre elas, as federais— são peças essenciais do sistema brasileiro de ciência e tecnologia.
Merecem que sua autonomia administrativa e financeira seja tratada com menos amadorismo e mais competência. Com a palavra, o Congresso.
*Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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