- O Globo
MP da Liberdade Econômica aprovada na Câmara tem que ser vista como apenas o início da redução de entraves burocráticos
A maior vantagem da MP da Liberdade Econômica não é uma medida ou outra, é a atitude de começar a enfrentar o cipoal de entraves que existe desde muito tempo na economia brasileira. Não fará o país ser livre amanhã, é apenas um passo tímido, mas como diz o deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), que relatou o assunto, é “uma mudança até psicológica”. Segundo ele, é o Estado avisando que acredita que “o empreendedor tem boa-fé”.
Qualquer jornalista de economia sabe o quanto já ouviu de histórias surreais sobre barreiras, normas, exigências feitas pelas diversas burocracias do Estado a quem quer montar um negócio. No clima de devastação econômica como estamos vivendo, depois de seis anos de crise, com tantos milhões de desempregados, é evidente que esse é um passo certo.
Dentro das regras alteradas, perguntei ao relator o que ele achava que era o mais importante. Ele me falou que era o todo.
—É o começo de uma mudança do relacionamento do Estado com o empreendedorismo brasileiro. Hoje o Estado exerce um papel impositivo e de algoz, com uma série de normas, que o empresário não consegue cumprir e isso o estimula a ficar no ambiente de informalidade. Há um desvio. Em vez de se concentrar em regular e fiscalizar aquilo que é de alto risco, o governo perde tempo com o que é de baixo risco —diz o deputado.
A MP quase caiu, como várias outras, porque chegou ao Congresso junto com outras medidas e a reforma da Previdência. Além disso, tanto o governo quanto os parlamentares tentaram colocar na MP o que era de outras áreas — trabalhista e tributária — ainda que se referisse ao ambiente de negócios. Houve 301 emendas. Mas esse era um projeto específico para eliminar burocracias. Por isso, ele foi reduzido na hora da aprovação, para voltar ao tema pelo qual foi pensado originalmente.
Tem muita coisa que é apenas promessa ou poderia ter sido feita por portaria.
Mas o que há a comemorar é o início desse caminho de facilitar os negócios. O risco é o governo confundir com outros projetos da sua agenda, como a ambiental, por exemplo. Mesmo sendo necessário tornar o processo de licenciamento ambiental mais ágil, transparente e previsível, o que o governo tem feito na área é inibir os órgãos de controle e desmontar a máquina.
Como há um item que determina que, se uma licença não for dada num prazo específico, ela estará dada automaticamente, há risco de que isso seja usado para eliminar na prática exigências que de fato precisam ser cumpridas, por razões ambientais e de segurança.
O que a MP trata é de eliminar papéis, exigências prévias, desconfianças descabidas.
—O Estado está dizendo: está bem empresário, confio em você, abra o seu pequeno negócio se não tiver nenhum componente de risco. Eu vou lá ver depois e o que estiver errado eu vou te dizer. Eu não vou mais ficar sem te responder por não ter estrutura. Agora haverá prazo para os pedidos feitos pelo empreendedor —disse o deputado.
Outro ponto é o de estimular investidores-anjo em startups. Que podem investir sem que, quando há um erro do projeto, o patrimônio dele tenha que cobrir prejuízos. Há ainda a permissão para a criação da sociedade unipessoal. Hoje as empresas acabam tendo que ter um sócio por exigência legal. A MP também estimula a transição do mundo de papel para o digital.
Não faz a revolução que o nome da MP promete, nem entrega tudo o que está escrito. A MP criou o conceito do “abuso regulatório”. Não deixa claro como é que o cidadão pode exercer o direito de limitar o Estado e dizer que ele está abusando. Se for um estímulo à judicialização, é um caminho que aumenta a complicação na qual estamos mergulhados. Na verdade, não se sabe como isso existirá na prática porque o assunto terá que ser regulamentado.
O que o governo propôs para o trabalho no domingo acabou sendo alterado e ficou como era antes. Só que agora por lei, explica o deputado. O curioso é que a reforma trabalhista foi para eliminar leis e dar mais força ao negociado. Nesse caso se fez o caminho contrário. Segundo o deputado foi a forma de dar mais “segurança jurídica”. A MP tem que ser vista como um início de redução de entraves. É preciso não confundir burocracia com as garantias que a sociedade precisa ter.
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