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Um presidente subversivo
Tem algo de muito errado em um país onde o ministro da Defesa, depois de reunir-se com os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, solta uma nota para dizer que as Forças Armadas renovam o compromisso de respeitar a Constituição.
Um trecho da nota: “As Forças Armadas trabalham para manter a paz e a estabilidade do país, sempre obedientes à Constituição Federal”. O que pôs em dúvida o compromisso dos militares de respeitar a Constituição? Eles teriam alternativa?
A nota, em seguida, diz que o momento que o país atravessa exige “entendimento e esforço de todos os brasileiros” e ressalta que nenhum país está preparado para uma pandemia. A maioria dos brasileiros se esforça para escapar ao Covid-19.
De fato, nenhum país está preparado para enfrentar uma pandemia, ainda mais essa que só por aqui, do final de fevereiro para cá, já contaminou 40.581 pessoas, matando 2.575 até ontem. Nas últimas 24 horas, foram 1.927 novos casos e 113 mortes.
O que obrigou o ministro da Defesa a soltar a nota foi a reação de políticos, ministros togados e entidades de classe à participação do presidente da República em uma manifestação de rua dos seus devotos que pediu a volta da ditadura.
Bolsonaro, ontem, negou que tivesse pregado a volta da ditadura. Mas com sua presença endossou o pedido dos seus seguidores. A manifestação foi encomendada por ele. Bolsonaro sabia de antemão que seria uma manifestação golpista.
E mais: a primeira manifestação de cunho político subversivo promovida diante do Quartel-General do Exército, em Brasília. Por que justamente ali? Qual a intenção que ela mascarava? Foi concebida para sensibilizar os generais ou a tropa miúda?
Na época da ditadura, um discurso mais crítico ao regime feito no Congresso, um artigo de jornal, uma passeata estudantil eram atos taxados de subversivos pelas autoridades de então. Nada se compara ao que aconteceu agora por obra e graça de Bolsonaro.
“A Constituição sou eu”, proclamou o nauseabundo presidente à saída do Palácio da Alvorada onde costuma confraternizar com a sua turma, atacar os demais Poderes e agredir a imprensa. Lembrou Luiz XIV, Rei da França, nos anos 1.600.
A frase completa do Rei: “Eu sou a Lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu!”. Sucedeu-o Luiz XV, conhecido como o Bem Amado, que foi sucedido por Luiz XVI, guilhotinado em Paris por ordem dos líderes da Revolução Francesa e com o apoio do populacho.
Bolsonaro não é a Constituição. Ela é superior a todos os Poderes e aos que o exercem. Ela “governa os que governam” como observa Carlos Ayres Brito, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal. “Governa permanentemente quem governa transitoriamente.”
Em 1964, os militares deram o golpe que derrubou um presidente legitimamente eleito a pretexto de salvar a democracia ameaçada pelo comunismo. Este ano, à passagem de mais um aniversário do golpe, insistiram em tratá-lo como se revolução fosse.
Nos dias que correm, se a democracia brasileira novamente corre perigo é porque o presidente, legitimamente eleito há quase dois anos, conspira contra ela. Diz-se ameaçado por um golpe tramado dentro do Congresso. Mas quem trama um golpe é ele.
Aberta a temporada de troca de cargos por votos no Congresso
Sai de cena a Nova Política. A Velha está de volta
“Não vou negociar”, berrou o presidente Jair Bolsonaro, entre uma tosse e outra, para a malta vestida de verde e amarelo que, no último domingo, pediu a volta da ditadura em frente ao Quartel General do Exército, no Setor Militar Urbano de Brasília.
A frase não foi explicada por Bolsonaro. Mas foi uma resposta a notícias publicadas naquele dia a respeito de cargos do governo prometidos pelo presidente da República a partidos que o apoiassem no Congresso. O toma-lá-dá-cá do passado.
Por mais que negue, convencido por ministros militares de que não existe outra forma de se safar de encrencas a não ser essa, Bolsonaro está disposto a substituir o que chama de Nova Política pela Velha Política de resultados tão perversos e duvidosos.
A temporada de troca de cargos por votos foi aberta. Cargos que comandam orçamentos generosos. Cargos com grande capilaridade que garantirão empregos, lá na ponta, a quem arrecada dinheiro para financiar campanhas eleitorais.
Se a temporada não render muita coisa é porque os partidos continuam sem confiar em Bolsonaro. E com razão. Ele promete e muitas vezes não entrega. E insiste em demonizar a política como se o único santo de bordel fosse ele.
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