- Folha de S. Paulo
No Brasil também temos a combinação letal de racismo e brutalidade policial
A cena de quase dez minutos provoca choque e horror por toda a desumanidade nela contida. O policial branco comprime com o joelho o pescoço do homem negro, algemado, desarmado e imobilizado sobre a calçada. O homem negro, George Floyd, implora: "Por favor, não consigo respirar". O policial, Derek Chauvin, mão no bolso, segue impassível com a naturalidade de quem mata uma mosca. O vídeo do assassinato se espalha e os Estados Unidos entram em convulsão.
Aqui também temos a combinação letal de racismo e brutalidade policial. João Pedro, Ágatha Félix, Evaldo dos Santos"¦ Quantos mais? Por que esses assassinatos não levam a sociedade brasileira às ruas? Arrisco dizer que lá o movimento pelos direitos civis, nos anos 1960, e a aplicação de ações afirmativas, como as políticas de cotas em universidades, alçaram a população afrodescendente a um patamar mais elevado de cidadania. Lá, a população negra sabe cobrar os direitos que lhes são negados.
Aqui, muitos afirmam defender a igualdade entre brancos e negros, desde que estes continuem nas nossas cozinhas, recolhendo o nosso lixo, cuidando dos nossos filhos. Essa mesma gente ainda tem muita dificuldade de aceitá-los em lugares como as universidades. Basta lembrar que algumas instituições de ensino já adotavam reserva de vagas para estudantes negros quando o DEM resolveu questionar no Supremo Tribunal Federal a constitucionalidade das cotas.
Em um dos debates na corte, o representante do partido, o então senador Demóstenes Torres, chegou a dizer que a miscigenação no Brasil ocorrera de forma "mais consensual" entre escravas e seus patrões.
Felizmente, os ministros não deram ouvidos a tal sandice, e o STF considerou as cotas constitucionais, por unanimidade, em 2012. Que a súplica de George Floyd reverbere em nossas consciências com a força de uma explosão: "I can't breathe."
*Cristina Serra é jornalista
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