- Folha de S. Paulo
Bolsonaro se apoia em discurso populista de que instituições não o deixam governar
Quem pare para escutar o discurso bolsonarista ouvirá que o ímpeto renovador do presidente está sendo bloqueado pelas instituições e que o voto popular não está sendo respeitado, porque o STF derruba as ações, o Congresso não aprova as medidas provisórias e a imprensa persegue o presidente.
Seria necessário fazer valer a soberania popular, que precisaria se impor sobre as viciadas instituições de representação, ainda que por meio de uma intervenção das Forças Armadas atuando como poder moderador. Para os bolsonaristas não se trataria de ditadura, mas de uma restauração da democracia. O nome técnico deste tipo de discurso é populismo.
Populismo é um termo utilizado para descrever os movimentos políticos que empregam um discurso antielites e buscam mobilizar o povo em conexão direta com um líder forte e carismático contra as instituições de representação.
O populismo no poder, portanto, seria paradoxal, porque ao assumir o Executivo o líder se tornaria o poder constituído contra o qual se opunha.
Para não se descaracterizar enquanto projeto de mobilização e de antagonismo permanente, o populismo no poder adota um discurso no qual se coloca como poder impotente, comprimido e esmagado por instituições corrompidas e envelhecidas que precisam ser derrubadas ou renovadas. O projeto populista não tem fim, porque essas elites escondidas e entranhadas funcionam como um fantasma sempre presente, que impediria o líder de governar.
Foi assim com a Venezuela. Era preciso derrubar a imprensa, então se caçaram as concessões de radiodifusão, se cortou a importação de papel e se construiu um sistema de comunicação oficial. Era preciso limitar o Congresso, então foram redesenhados os distritos eleitorais e se esvaziou o Poder Legislativo, criando uma dualidade com a Assembleia Constituinte; era preciso limitar a Suprema Corte, então se alterou a sua composição.
Quando tudo parecia estar sob controle, se apontaram o poder dos empresários e a ação de forças estrangeiras. A resposta antidemocrática da oposição, que tentou um golpe em 2002, e dos Estados Unidos, que implementaram um embargo em 2019, apenas respaldou o discurso do poder impotente, que precisa perseguir permanentemente esse outro poder oculto, entranhado.
O projeto político que temos no Brasil é desse tipo, guardadas as diferenças ideológicas. Bolsonaro quer não apenas medidas pontuais contra a imprensa, o Congresso e o STF. Estamos enredados em um processo permanente que, se não for interrompido agora, vai nos tragar em uma espiral de destruição.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
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