O eixo político do governo não gira em torno das reformas. Se a situação não piorar, o futuro promete mais do mesmo
Contrastando com seu estilo colérico e arrebatado, o presidente Jair Bolsonaro é econômico em palavras e entusiasmo quando se refere às reformas econômicas. Se elas não forem retomadas depois que a pandemia passar, a economia continuará prostrada e o governo não terá então muito tempo até entrar no calendário eleitoral, perto do fim de 2021- apesar de Bolsonaro estar em campanha pela reeleição desde o primeiro momento em que pisou no Palácio do Planalto.
O mérito da reforma da previdência, o maior feito do governo até agora, passa ao largo de Bolsonaro. Deveu-se muito mais à insistência da equipe econômica e à disposição do Congresso em realizá-la. O presidente intercedeu pouco, tardiamente, e quase sempre para favorecer categorias para as quais fez lobby em quase três décadas no Congresso: militares e policiais. Mas as economias para os cofres públicos em dez anos, de R$ 800 bilhões, emagreceram diante da destruição provocada pelo coronavírus, que pode elevar o déficit público este ano para perto dos R$ 700 bilhões.
Outras reformas, que tratavam da segunda maior rubrica de despesas públicas, a folha de salários da União - como a administrativa, a PEC emergencial e a tributária -, se perderam em meio ao pandemônio criado pelas provocações de Bolsonaro às instituições, primeiro, e depois com a emergência da covid-19. Nenhum programa de reconstrução sério para a economia após a pandemia deveria prescindir de um esforço concentrado nos três conjuntos de medidas.
O presidente, no entanto, só aparece animado em afrontar o Supremo Tribunal Federal. Anteontem, Bolsonaro já despachou para o ano que vem a reforma administrativa, que continha amplas mudanças nas formas de contratação, remuneração, promoção do funcionalismo e nas despesas com pessoal, o segundo maior gasto da União.
Na primeira vez em que trombou com o tema, ele adiou o envio do projeto para o Congresso e se disse preocupado com as revoltas populares no Chile e temeroso de que se espalhassem pelo Brasil, com manifestações de ira do segmento assalariado mais bem remunerado do país. Agora, ele afirmou que será preciso fazer uma “boa campanha na mídia” para esclarecer que seu governo não pretende acabar com a estabilidade do funcionalismo.
O presidente não quer problemas com as corporações - disposição sem a qual não se vai longe em mudar o Estado - nem tampouco com temas aborrecidos e complexos como a reforma tributária. Bolsonaro disse que ela é “complicada”, no que tem razão: ela é discutida há décadas sem que se vá a lugar nenhum.
O ministro Paulo Guedes parece sempre entusiasmado, mesmo quando não há motivos para isso. Ele continua dizendo que o “Brasil vai surpreender” após a pandemia, depois de jurar que a economia estava “decolando” antes dela. Guedes voltou a falar da reforma de impostos para acabar com o “manicômio tributário”, mas suas palavras não tem sido acompanhadas de ação. Prometeu ontem acelerá-las em 60, 90 dias, após ter dito que as enviaria em uma semana - e assim se passaram meses. Guedes sequer apresentou até hoje projeto nesse sentido e quando falou no tema foi para ressuscitar a famigerada CPMF, com disfarce moderno. Nesse ponto, o Congresso está à frente, tem dois projetos avançados, à espera das contribuições do governo, que nunca vieram.
A PEC emergencial servia de viga para o teto de gastos, ao prever congelamento dos salários do funcionalismo, promoções, concursos, toda vez que a União estivesse perto de estourar os limites - o que já ocorre desde 2019. A PEC enlaçava também os governos estaduais e oferecia algum alívio com a folha de pagamentos, a maior despesa dos entes federados. Não se fala mais nela.
Um jeito interessante de fazer parte da tarefa em relação aos Estados foi o Plano Mansueto, que ficou parado no Congresso e governadores até ser abalroado pela emergência sanitária e vagar moribundo, também a caminho do esquecimento.
Há duas certezas após a pandemia. A economia continuará se recuperando em baixa velocidade e com uma carga de endividamento muito superior. A covid-19 evidenciou o fosso social existente e as pressões por recursos serão maiores, não menores. Para aperfeiçoar e ampliar os programas sociais será preciso rearranjar receitas e despesas, o que as reformas permitem. O eixo político do governo não gira em torno das reformas. Se a situação não piorar, o futuro promete mais do mesmo.
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