O
processo de mercado —pessoas e empresas buscando seu autointeresse por meio do
sistema de preços livremente acordados— é a ferramenta mais poderosa que
conhecemos para mobilizar a ambição de cada um em prol dos desejos de todos em
um mundo de recursos escassos e informação imperfeita.
No
mercado, para satisfazer seus próprios desejos, você tem que criar valor para
os outros, e lucros e prejuízos indicam se você tem sido capaz de gerar, com os
recursos disponíveis, mais ou menos valor do que seus concorrentes.
Como
todo e qualquer mecanismo social, contudo, o mercado tem falhas e limitações.
Sozinho, ele não dá conta, por exemplo, do problema das externalidades: nossas
transações livres impactam terceiros que nunca aceitaram participar delas,
inclusive as gerações futuras. Meu carro polui o ar, impondo um custo à cidade que não é
pago nem por mim nem pelo fabricante. A sustentabilidade ao longo do
tempo exige algum nível de autocontenção dos desejos no presente.
Regras
e leis jamais serão capazes de, sozinhas, refrear o desejo humano. Primeiro
porque não se pode tomar como garantido que qualquer agente social siga a lei.
Se a polícia não está olhando, por que me abster de roubar? E se a lei tiver
várias interpretações possíveis, ele tentará se safar seguindo a interpretação
mais conveniente. É o que este outro representante perfeito do autointeresse
desenfreado, Donald Trump, fez em sua declaração de imposto de renda. Os
US$ 70 mil anuais gastos em cortes de cabelo são computados como gastos da
empresa. Cada dólar que ele não pagou será custeado pelos demais.
Em
segundo lugar, quem tem muito dinheiro ou influência pode deturpar a criação
das leis. As empresas que se beneficiarão da "passagem
da boiada" do ministro Salles na regulamentação ambiental empurram
o país para o colapso ambiental. Não estão nem aí.
O
Estado está sujeito à mesma dinâmica: seus membros também precisam ser capazes
de refrear, em algum medida, seu autointeresse. Bolsonaro é exemplo perfeito do autointeresse desenfreado
na política. Todas as suas ações buscam a popularidade imediata.
Como líder, é incapaz de se indispor com o eleitorado em nome de um bem maior
futuro. Vimos isso na pandemia: em um momento fingia que o problema não
existia; depois, que havia solução mágica e indolor.
Quando
o governo, para poder gastar mais agora, anuncia que adiará o pagamento de precatórios e que criará brecha
para burlar o teto de gastos, ele está empurrando para o futuro o
custo de gastar mais no presente. Quebrou alguma regra? Não necessariamente: só
as alterou para se beneficiar.
Regras
escritas jamais suplantarão a necessidade de ética e responsabilidade pessoais:
a capacidade de frear o próprio autointeresse em benefício dos demais. No mundo
empresarial e nas finanças essas virtudes se traduzem em iniciativas como
fundos ESG, que investem em empresas com governança social, ambiental e
corporativa. Na política, líderes dispostos a respeitar as regras do jogo mesmo
que eles percam a partida. A sustentabilidade econômica, social e ambiental de
nossa sociedade depende disso.
A
ausência de qualquer preocupação ética produz, na economia, a predação
desenfreada da natureza e a exploração de outras pessoas. Na política, nos traz
à definição clássica da tirania: o poder absoluto exercido em benefício
próprio, e não da sociedade. Tiranos, oligarcas, pensando apenas em si,
degradam a vida em sociedade, prejudicando a todos no longo prazo. Não há
mercado ou Estado que possa subsistir sem valores.
*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.
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