Governo quer dar calote, furar o teto e passar a conta dessa mutreta para o Congresso
A gente esperava que o governo inventasse uma gambiarra a fim de arrumar dinheiro para o Renda Cidadã. Isto é, uma malandragem qualquer para furar o teto de gastos e tentar fingir que não aconteceu nada. Mas a cara de pau foi grande. O governo quer fazer uns R$ 40 bilhões de dívida extra, 0,5% do PIB, fingindo que não. É pedalada.
A
esperteza é que Jair Bolsonaro quer pôr essa mutreta na conta do Congresso. Não
quis cortar o abono salarial ou congelar os benefícios do INSS,
necessário para fazer o Renda Cidadão e manter o teto de gastos. Também não
teve coragem e capacidade de propor uma reforma séria do teto. O que sugere
então? Calote e mão grande.
Quase
todo mundo percebeu a picaretagem, principalmente os colegas de profissão de
Paulo Guedes, negociantes de dinheiro. Com o anúncio do novo “plano infalível”,
as taxas de juros de longo prazo foram às alturas do pânico da pandemia, em
abril. O povo do mercado fugiu da Bolsa e
comprou dólar. Enfim, do que se trata?
O
governo pretende deixar de pagar R$ 39,4 bilhões dos R$ 55,2 bilhões de
precatórios e sentenças judiciais devidos e previstos no pré-Orçamento de 2021.
É dinheiro que o governo deve, por decisão da Justiça, para gente que recebe do
INSS (43% do total dessas dívidas), para servidores (19% do total) e débitos
diversos.
Com
esse calote, quer pagar os benefícios de um Bolsa Família encorpado, o Renda
Cidadã. Nos planos vagos do governo, o programa chegaria a 24,3 milhões de
famílias, que receberiam R$ 260 por mês (ante R$ 191 do Bolsa Família de antes
da pandemia).
Na
prática, o governo quer fazer uma dívida extra sem dizer que é dívida extra:
fazer dívida “escondida” para bancar gastos além do permitido pelo teto. O
dinheiro viria dos precatórios que deixam de ser pagos. Essa é a gambiarra:
esse empréstimo forçado, arrancado de quem tem dinheiro a receber do governo
por sentença judicial. É moratória ou “reestruturação forçada” de dívida.
Para
o Renda Cidadã, o governo também vai pegar parte do dinheiro que é obrigado a
transferir para estados e municípios gastarem em educação. Quer tomar 5% do
Fundeb, o que dá mais R$ 980 milhões, em 2021. O gasto no Fundeb não está sob o
limite do teto. O governo vai, pois, gastar um dinheiro em despesas que estão
sob o teto (como o Bolsa Família), mas fingindo que não está fazendo tal
coisa. É pedalada.
“Tecnicamente”,
o governo quer se limitar a pagar precatórios no valor equivalente a 2% da
receita corrente líquida da União, o que dá R$ 16,09 bilhões em 2021. O
restante dos precatórios devidos fica para ser pago “um dia”, a perder de
vista. Vira mais dívida.
Como
lembra Josué Pellegrini, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), precatórios
não pagos são contados na dívida consolidada, diz a Lei de Responsabilidade
Fiscal.
A
IFI é um órgão independente de acompanhamento e avaliação das contas públicas,
ligado formalmente ao Senado. Felipe Salto, diretor-executivo da instituição,
observa ainda que tirar dinheiro do Fundeb é tentativa de driblar o teto de
gastos e que o governo se furtou a cortar gastos para arrumar fundos para o
Renda Cidadã.
É
legítimo querer mudar o teto constitucional de gastos. Dada a situação do
governo e do país, no entanto, fazer tal mudança exige grande capacidade
técnica e política de modo que a emenda não saia pior do que o soneto. Exige um
acordo nacional. Bolsonaro está propondo apenas maracutaia fiscal. Para os
donos do dinheiro, é um sintoma de que o governo pode aprontar inclusive para
cima deles.
A
pressão da sociedade e o Congresso criaram o auxílio emergencial de R$ 600, o
que evitou fome, convulsão social e recessão ainda maior. Foi um presente para
Bolsonaro. O que ele faz agora? Tumulto picareta, que dá em tensão financeira,
que prejudica uma retomada econômica que já seria difícil.
Queima a Amazônia, queima o Pantanal, queima a educação, tem morticínio, tem insulto de humilhados e ofendidos. Agora queima também o mercado. Isto é o Brasil de Bolsonaro.
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