Disputa
em São Paulo mostra que tutela de padrinhos é dispensável
É
redutor atribuir o bom nível do debate entre Bruno Covas e Guilherme
Boulos ao fato de serem dois políticos moderados. O adjetivo é
impreciso para rotular dois políticos com características, trajetórias e propostas
tão distintas.
Além
do que, avaliar suas chances e seus projetos para São Paulo a partir de uma
palavra tão vaga não faz jus ao momento rico e importante que a improvável
eleição da pandemia acabou por provocar.
Covas é um político de centro. As circunstâncias dos diferentes momentos de sua carreira política – deputado, vice-prefeito, prefeito – mexeram esse ponteiro ora para a centro-esquerda, ora para a centro-direita.
Apostou,
quando assumiu a cadeira de prefeito, que, no embalo da eleição de Jair Bolsonaro e
do próprio João Doria,
enfrentaria um adversário da direita neste ano.
Vestiu
um figurino de social-democrata a partir dessa avaliação, e procurou se
distinguir do “Bolsodoria”, o personagem que seu correligionário vestiu em
2018, e rapidamente caiu em desuso depois da posse.
O
drama pessoal que viveu e a pandemia foram novas oportunidades para Covas
procurar mostrar personalidade dentro do PSDB paulista, resgatando a imagem do
avô, inclusive.
Muitos
imaginaram que, diante da ida ao segundo turno contra Boulos, um candidato de
esquerda, ele flertaria com o discurso de direita para atrair os bolsonaristas.
Houve, inclusive, ensaios dessa mutação no discurso logo após a posse, quando
ele classificou Boulos três ou quatro vezes de “radical” e fez uma exortação à
“lei e à ordem”.
Mas,
a partir desta segunda-feira, a ordem no comitê era manter o tom sereno, por
vezes gélido, que ele demonstrou no primeiro turno. Um gesto neste sentido foi
telefonar para Boulos para pedir desculpas por uma ofensa de um aliado.
E
o candidato do PSOL? Moderado ou radical? Ele mesmo refuta o primeiro adjetivo
e qualifica o segundo: gosta de dizer que é radicalmente diferente do PSDB em
doutrina social e econômica.
Mas
Boulos demonstra que mudou desde os primórdios de sua atuação à frente do MTST:
refinou conceitos, estudou a cidade, compreendeu a necessidade de construir
pontes para alcançar objetivos. Isso nada tem de exótico: é o caminho natural
dos políticos e dos partidos quando enfrentam sucessivas eleições e amadurecem.
O
risco, para ambos, é serem tragados para as caricaturas deles mesmos e de seus
partidos por aliados mais interessados em usá-los como cavalos de Troia para os
próprios projetos que em contribuir com sua eleição.
Ambos
prescindiram de padrinhos no primeiro turno, por motivos distintos. No caso de
Covas, andar com Doria era ruim eleitoralmente, dada a rejeição do governador
na cidade.
Para
Boulos foi meio falta de opção. A candidatura de Jilmar Tatto impediu
Lula de apoiá-lo. Mas, na primeira hora, quando as urnas não saíam do 0,39%
apuradas, o cacique petista já tratou de pular em cima do palanque do candidato
do PSOL, avistando nele uma chance de reduzir o tamanho da derrota do PT.
Doria
também já ensaiou o discurso de que o resultado em São Paulo aponta para a
viabilidade da “frente ampla”, um papo lá para 2022 e que interessa só a ele.
Covas
e Boulos demonstrarão maturidade se recusarem a tutela de padrinhos. Uma
característica nacional desta eleição foi a renovação geracional mais
qualitativa, diferente da horda de youtubers de 2018.
Ambos têm um futuro político promissor pela frente se souberem entender o que seus partidos e seus campos políticos fizeram de errado para causar repulsa no eleitor. Isso tem menos a ver com conceitos como esquerda e direita, moderado ou radical, que com práticas políticas e de gestão e propostas para o País e a sociedade. Até aqui, a eleição de São Paulo é um alento nesse sentido.
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