Bolsonaro
passou a faca na Petrobras. Queria dar um recado aos irmãos caminhoneiros. A
mensagem: “Vocês não me chantageiam. Chantageamos juntos”. E então mandou
cortar, sem qualquer estudo, e sem que o combustível ficasse mais barato para o
consumidor, os impostos federais sobre o diesel. Interveio para pressionar os
governadores, os vilões do ICMS — alguns dos quais potenciais adversários em
2022. Em suma: “Fiz a minha parte. E vocês?”.
O
presidente fez a sua parte: contratou rombo bilionário na arrecadação de um
Tesouro que — vem aí o auxílio emergencial — terá aumento nos desembolsos. (É
claro que se pode acreditar nas compensações fiscais — sempre do futuro —
prometidas pelo Ministério da Economia; o sócio Centrão topa, mas só ali na
frente, com as privatizações.) Essa é a austeridade de Bolsonaro, rigorosíssimo
em sua campanha pela reeleição. Paulo Guedes que a viabilize, já muito testada
a flexibilidade de sua cervical, embora não exibida para recolher do chão a
cabeça do CEO da Petrobras.
(Caso à parte é a confiança em que Guedes — bolsonarista mais apaixonado que Weintraub — pudesse domar e educar liberalmente alguém como Bolsonaro, autocrata cuja mente econômica é produto do Brasil Grande. Já seria improvável se houvesse projeto e capacidade de executá-lo. Com palestras, incompetência e adesão ao conspiracionismo, impossível.)
Inicia-se,
pois, o show de Luna na Petrobras. Avança a pazuellização do Brasil, o que
equivale a dizer que progride a inépcia em meio ao recrudescimento da peste.
Multiplicam-se os generais a se prestarem de cavalo para o mito; agora também —
já era ministro da Saúde — comandante da petroleira. E que já prometeu mostrar
que dirige as Minas e Energia. Guedes — este minion — não é militar, mas desde
há muito se oferece como montaria; e sem relinchar. Bolsonaro — historicamente
hostil à Lei de Responsabilidade Fiscal — é o ministro da Economia; e é também
um populista que só pensa em se reeleger. Conta que não fecha.
Jaca
não vira cereja. Com poder, será jaqueira. Bolsonaro é Bolsonaro. Uma vez
presidente da República, o líder corporativista será um presidente da República
líder corporativista. Ou já teremos nos esquecido de como procedeu, em prol de
interesses de classe, na reforma da Previdência? Ou da forma como operou para
que a reforma administrativa minguasse?
Mas
há os que descobrem somente agora que Bolsonaro — porque meteu a mão na
Petrobras — jamais será presidente de um governo reformista. “Oh! Meu Deus, ele
não é liberal. Fui enganado.” Oi? Estava onde nos últimos 30 anos? Estava onde,
amigo do mercado, para crer que o sujeito — há três décadas mamando o leite do
Estado — promoveria uma cirurgia para reduzir o tamanho das tetas em que
engorda a si e aos seus? (Isso no caso de o amigo não ser um entre os tantos
que usam o fetiche liberal-guedista para dissimular o que outra coisa não é que
atração pelo autoritarismo bolsonarista.)
Estava
onde, em abril de 2018, quando Bolsonaro apoiou a revolução dos caminhoneiros,
aquela que, motivada por insatisfações com o preço do combustível, paralisou
criminosamente o Brasil, provocou desabastecimento e nos deu vislumbre do que
seria um processo de venezuelização? O então deputado federal, candidato do
ente mercado já no primeiro turno, não teve dúvida na hora de se associar a um
movimento delinquente cujo potencial desestabilizador do país servia à ascensão
de seu projeto de poder antiestablishment.
Mesmo
sendo um baixo clero padrão, cuja existência deriva de haver se aboletado, para
constituir bem-sucedida empresa familiar, nas bordas gordas do sistema,
Bolsonaro soube explorar o sentimento reacionário — a mentalidade miliciana — que
arrebanha ressentidos e violentos à margem; a paixão rompedora da qual emergem
golpistas armados como Daniel Silveira, corruptores da democracia liberal,
agentes revolucionários que, eleitos, se valem da legitimidade do espaço
político-institucional para degradar as instituições da República.
Aqui,
uma questão conceitual a expor a estupidez dos que acreditaram ser possível
existir governo reformista de um presidente cuja base de apoio fundamental é
antiliberal e prospera no confronto, na forja de inimigos, no estímulo do caos;
como se fosse possível promover reforma estrutural do Estado num chão de
instabilidade cultivado pelo chefe do governo dito reformista. O caso Silveira
é exemplar. Seu crime — atentado à ordem pública, produto do bolsonarismo por excelência
— travou e transtornou a atividade legislativa num momento em que o país nem
sequer tem orçamento para 2021.
O
estado paralelo, que aparelha o governo, não pode reformar o Estado. Só
dilapidar as instituições que compõem a ordem democrática.
Bolsonaro é um estelionatário eleitoral. Guedes lhe serve, conscientemente, de escada. Já não pode mais haver desavisados pelo liberalismo do amanhã. Está dado que o populismo por 2022 abrirá campo ao golpismo se a reeleição vier — e são boas chances de que venha. O regime do peito de Bolsonaro é outro. Quem — diante de todas as evidências — ainda financia este governo já sabe ao que serve. Está cheio de Daniel Silveira na Faria Lima.
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