Abrem-se
perspectivas novas para 600 mil trabalhadores autônomos, ou 13% da força de
trabalho disponível. Os cupons de alimentação só beneficiarão aos extremamente
pobres e idosos, em compensação prevê-se um aumento de salários superior a 400
por cento. A inflação projetada é tabu.
Essas
medidas estão contidas em um plano de reformas do engenheiro Presidente Miguel
Díaz-Canel, um professor universitário nascido depois da queda do antigo
regime, e que substituiu Raul Castro. Foram, aparentemente antecipadas, diante
da deterioração econômica e dos ideais ideológicos radicalizados pelo
castrismo. É também um sinal de boa vontade com Joe Biden, o novo
presidente dos Estados Unidos, que pretende retomar as relações de Obama com o
governo cubano, que Trump desqualificou.
Parece uma tentativa de sobreviver à queda sistemática do PIB ( em torno de US$ 100 bilhões) que, em 2020, registrou menos 11 por cento. Sem garantias para as exportações de açúcar, o fornecimento regular e barato do petróleo da Venezuela , também em crise, nem poder contar, como certas, as remessas de dólares (US$ 3,5 bilhões), pelos emigrados para suas famílias em Cuba, e ainda com dificuldade de obter financiamentos internacionais, entre os quais o BNDES, do Brasil, a economia encontra-se em declínio.
Nostalgia...
Quantos
intelectuais, ditos revolucionários no Brasil, agregaram ao seu currículo,
como virtude, a atividade de cortar cana em Cuba! Ninguém era
dispensado do trabalho. Iam para lá fugidos da ditadura no Brasil ou para
receber instruções e treinamento de guerrilha, voltadas para a implantação do
socialismo na América Latina.
Lá
estavam professores eméritos como os irmãos Fidel e Raul Castro, Guevara,
Cienfuegos e outros remanescentes da revolução de 1959.
Ao chegar ao Poder, os revolucionários extinguiram a propriedade privada,
assumiram o controle da produção ( e da política), criaram uma moeda própria
(CUB), transformaram 85 % dos os trabalhadores em serviçais do Estado e
acabaram com os grandes cassinos, todos expropriados.
A
Ilha, paraíso da jogatina internacional, foi interditada ao turismo. Tornou-se
difícil entrar e sair de Cuba, em que pese 1,7 milhões de cubanos viverem hoje
em 72 países. A maioria fugidos ou filhos de foragidos. Sob a
égide do “politicamente correto”, a educação e a saúde democratizaram-se, os
direitos e deveres tornaram-se mais equânimes, o IDH subiu, mas a economia
se desarranjou .
O
sucesso do levante de Sierra Maestra, já aos sessenta anos, deixou, contudo,
profundas sequelas internamente, com os julgamentos sumários, até de
companheiros de luta, e expropriações, do capital nacional e internacional
(sobretudo norte-americanos). Externamente, assustou a opção pelo
socialismo – contrário ao capitalismo norte-americano que reinava a 100 milhas,
na Flórida. Os revolucionários fundaram uma república socialista
e centralizaram o Poder. Dizendo-se democrático, Fidel Castro
governou a Ilha por quase 50 anos, em estilo stalinista –
incorporando a política de Estado e cultuando a própria
imagem.
Sob
ameaças, os EUA que, além das tentativas fracassadas de invadir
Cuba, conseguiram entre países capitalistas aliados o embargo
econômico contra Cuba. Em plena “guerra fria”, Cuba foi socorrida pela União
Soviética que absorvia toda a produção de açúcar - principal produto
de exportação - além do tabaco e do rum - pagando preços acima do
mercado. Cuba recebia, em troca, produtos básicos para subsistência da
população. A crise de energia foi resolvida com o golpe de Hugo Chavez, na
Venezuela (2002), que teve todo apoio de Fidel. Chavez fixou quotas compulsórias
de óleo e gasolina para Cuba, a preços abaixo do
mercado . Com a economia desestabilizada, Cuba conseguiu,
com dificuldade, empréstimos de organismos internacionais e
em países amigos, mesmo não cumprindo rigorosamente os
prazos de amortização.
Não
apenas por convicção, mas também por necessidade, Cuba associou-se as
tendências revolucionárias na América Latina e exportou revoluções e
revolucionários dentro do continente e para a África. Criou uma rede de 30
escolas de medicina voltadas para a “saúde primária e coletiva” e passou a
exportar esse tipo de serviço para países pobres: os “médicos cubanos”.
Junto
com Lula, do Brasil, Fidel conseguiu criar o foro de São Paulo, instituição que
se propunha apoiar frentes políticas populares na América Latina e, por meio
dele, amparar candidatos especificos no continente, via eleições democráticas
ou a tomada do Poder pela força. Com sua ajuda alguns foram eleitos: Correia,
no Equador; os Kichner; na Argentina; Lugo, no Paraguai; Lula e Dilma, no
Brasil; Mujica, no Uruguai; Evo Morales, na Bolívia; Toledo e
Humalla, no Peru; Bachelet, no Chile, e Daniel Ortega, na Nicarágua.
O
desmoronamento da União Soviética (1989) e dos países socialistas do Leste
Europeu tiveram um impacto altamente negativo em Cuba. Viria depois a morte
de Fidel, de Chavez e de Kirchner. Toledo, Humalla e Lula foram
presos. Em eleições diretas, os remanescentes do Foro caíram um a um. Cuba já
não era a mesma. Jovens viraram as costas na passagem do enterro de Fidel. Os
poucos governos socialistas que restaram não sustentaram os compromissos com
Cuba. A crise econômica vinha gerando promessas de reformas, mas empacadas. Iam
da desvalorização do peso e reorganização do sistema monetário a alguma
desregulamentação de negócios estatais e dos investimentos estrangeiros.
Prometeu- -se um aumento geral de salários ( o mínimo é de 400 pesos) para a
retomada de um mercado consumidor.
As iniciativas de Díaz-Canel podem significar procedimentos novos
na configuração da “economia planificada' – não em
direção especificamente ao capitalismo. A maioria dos cubanos parecem não
acreditar, pois a implementação vai exigir “mudanças de mentalidade",
segundo o próprio Díaz-Canel. Será esta, provavelmente, o maior desafio que os
cubanos terão pela frente.
*Jornalista e professor
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