As
novas condições políticas do Brasil serão uma restrição muito forte à liberdade
do ministro
Uma
pergunta domina hoje coração e mente dos principais agentes econômicos no
Brasil: qual será a agenda do ministro Paulo Guedes depois do cavalo de pau -
para usar uma expressão dos primeiros anos do governo Lula - que o presidente
Bolsonaro acaba de dar na política brasileira?
A
nova relação com os partidos do chamado “Centrão” certamente garante uma maior
tranquilidade política ao governo, mas implica a aceitação de uma agenda na
economia diferente daquela com a qual Bolsonaro foi eleito presidente do
Brasil. Praticamente calado durante todo o mês de janeiro - uma prova de
sabedoria - em função da árdua disputa pelo controle das mesas diretoras da
Câmara e do Senado, cabe a ele agora mostrar suas cartas para a definição de
uma agenda econômica para 2021. A disputa eleitoral no Congresso, controlada
com mão de ferro pelo Palácio do Planalto, produziu um forte rearranjo na
política brasileira - o terceiro nestes dois anos de mandato do presidente
Bolsonaro - e foi montado com o objetivo de preservá-lo politicamente até as
eleições presidenciais de 2022 e depois, vencê-las.
E é em função deste cenário que o poderoso czar da economia brasileira na primeira metade do mandato presidencial terá que se posicionar. Não existe mais hoje o governo com uma pauta de ação política e administrativa confusa e sem maiores definições que saiu das urnas em 2018. Nele Paulo Guedes se sobressaiu com um discurso vigoroso, claro e articulado de reformas radicais no modelo econômico que prevaleceu nos últimos 10 anos no Brasil.
Seu
objetivo era a construção de uma economia de mercado radicalmente liberal,
tendo Roberto Campos - o simbólico ministro do primeiro governo militar - como
seu inspirador.
Apesar
do longo histórico político de Jair Bolsonaro se chocar com as ideias do então
chamado Posto Ipiranga, houve um movimento eufórico no mercado financeiro e
entre os grandes empresários, brasileiros ou não.
Embora
as metas colocadas para serem executadas - R$ 1 trilhão de privatizações por
exemplo - fossem ambiciosas demais para um governo sem nenhuma base política no
Parlamento, milagres poderiam ocorrer, e os mercados apostaram nele.
Em
março passado, esta euforia já estava desgastada quando recebeu um golpe mortal
com a chegada da pandemia ao Brasil. A crise econômica que se instalou obrigou
o ministro a adiar seu plano de voo e a recorrer aos velhos ensinamentos de
Keynes, inimigo mortal de seu liberalismo e principal inspiração de governos
anteriores. A antiga agenda foi deixada de lado e Paulo Guedes - e seu
companheiro, o presidente do Banco Central Roberto Campos Neto - presidiram a
implantação de um dos mais exitosos planos de enfrentamento da recessão da
covid- 19 que aconteceram nas maiores economias de mercado do mundo.
Os
dados, que estão disponíveis hoje, confirmam esta minha leitura quando
comparados com os dos Estados Unidos e vários países da Comunidade Europeia. Um
exemplo claro do êxito das medidas tomadas pela equipe econômica é a
recuperação da indústria brasileira que chegou ao fim do ano com sua produção
agregada acima do nível do ano de 2019.
Mas
este êxito teve um custo fiscal pesado - mais de 10% do PIB - e colocou as
contas fiscais e a dívida pública brasileira em uma zona de perigo dentro do
protocolo do liberalismo econômico dominante nas elites brasileiras. A reação
natural do ministro seria a de promover em 2021 reduções vigorosas no chamado
gasto público e acelerar as reformas estruturais que consolidem um equilíbrio
fiscal mais sólido para o futuro. Mas as novas condições políticas do Brasil de
hoje vão representar uma restrição muito forte à liberdade de ação do ministro.
Do
lado do presidente, empenhado que está na campanha de sua reeleição em 2022,
não existe mais o mandato que detinha no primeiro ano de governo, como já foi
ressaltado acima. Naquela época, com as eleições muito adiante ainda, as suas
divagações sobre as maravilhas de uma economia liderada pelas forças de mercado
serviam inclusive ao objetivo de diferenciar o governo eleito de seus inimigos
históricos da esquerda e centro-esquerda.
Muito
ajudou este estado quase eufórico a presença de Rodrigo Maia na presidência da
Camara de Deputados com sua origem política e seus valores sinceramente
liberais. Tudo apontava na direção de uma parceria histórica com chances de
vencer o ranço estatizante de grande parte do Congresso e caminhar na direção
de uma economia mais eficiente. Mas esta parceria não existe mais e as
primeiras declarações públicas dos novos comandantes do parlamento apontam no
sentido contrário.
Me
impressionou muito o “body language” do presidente do Senado e do ministro
Paulo Guedes em uma rápida entrevista coletiva na noite da última quinta-feira
e que deixou claro duas coisas para mim: a primeira é a autoconfiança do
senador por Minas Gerais, Rodrigo Pacheco, que preside o Senado, em expor suas
ideias em relação à economia. Em segundo lugar, a postura compreensiva do
poderoso ministro da Economia que mostrou com clareza - pelo menos para mim -
que já entendeu o novo equilíbrio de forças entre Executivo e Legislativo que
se seguiu ao cavalo de pau do presidente Bolsonaro.
Um
novo desenho ainda não conhecido da agenda econômica em 2021 estará sendo
gerado nas próximas semanas deste embate entre o Congresso e o ministro Paulo
Guedes, mas com certeza será bem diferente do que os mercados previam.
*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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