Vacinação
lenta, fim do auxílio emergencial, desemprego e inflação atrapalham retomada
mais forte da economia
A
economia brasileira começou 2021 sem o auxílio emergencial e com a vacinação em
ritmo lento, o desemprego elevado e a inflação ainda pressionada. É um cenário
que aponta para uma atividade fraca no primeiro trimestre, com provável queda
do PIB em relação ao trimestre anterior. O auxílio, porém, deverá voltar, ainda
que num valor mais baixo e por um período não muito extenso. A vacinação, por
sua vez, vai avançar e, a depender do ritmo das imunizações, tende a permitir
restrições menores à mobilidade, favorecendo o claudicante setor de serviços.
Nesse
cenário, a economia pode voltar a ganhar algum fôlego daqui a alguns meses.
Alguns fatores importantes, porém, jogam contra a retomada, como um mercado de
trabalho fraco e pressões inflacionárias decorrentes principalmente da
combinação de commodities em alta e do câmbio desvalorizado. Incertezas em
relação à sustentabilidade das contas públicas enfraquecem a moeda brasileira,
ao mesmo tempo em que mantêm os juros futuros em níveis elevados. Isso leva a
uma piora das condições financeiras, prejudicando a recuperação.
O retorno do auxílio emergencial parece inevitável. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, que se opunha à medida, falou na volta do benefício na quinta-feira. Segundo ele, o novo auxílio será voltado para metade do público-alvo da sua primeira versão - em alguns meses, chegou a quase 68 milhões de pessoas. O valor será menor que os R$ 600 que vigoraram de abril a agosto de 2020 - e, na visão da equipe econômica, também inferior aos R$ 300 do período de setembro a dezembro, além de um prazo curto, de três meses. No Congresso, as pressões devem ser um por um benefício maior e por um período menor.
Com
a piora da pandemia e a vacinação lenta, a volta do auxílio é necessária para
evitar uma perda de renda muito acentuada. O desafio é aliar o retorno do
benefício - além de eventuais novos gastos com saúde - a um compromisso com a
trajetória sustentável para as contas públicas. Na quinta-feira, Guedes atrelou
a volta do auxílio a “um ambiente fiscal robusto”, indicando que ela poderia
ocorrer num quadro em que o Congresso acionasse o estado de emergência ou de
calamidade pública.
Com
uma média de mais de mil mortos por dia, um cenário de excepcionalidade se
justifica, e parece improvável que o retorno do auxílio ocorra dentro dos
limites do teto de gastos. O estado de calamidade permitiria gastos acima do
teto, assim como a abertura de créditos extraordinários. O Citi Brasil avalia
que, dado o espaço limitado para corte de despesas discricionárias (como o
custeio da máquina e investimentos), os gastos públicos devem superar o teto em
1% do PIB neste ano.
No
entanto, isso precisa ser feito com cautela, para evitar pressões adicionais
sobre o câmbio e sobre os juros futuros. O ideal é adotar ao mesmo tempo
medidas que enfrentem o crescimento das despesas obrigatórias. Versões mais
robustas da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Emergencial e da reforma
administrativa ajudariam nesse sentido, ao combater a expansão dos gastos de
pessoal. A questão é que o presidente Jair Bolsonaro resiste a bancar esse tipo
de medida, e é difícil acreditar na disposição dos novos presidentes da Câmara
dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de
levar o Congresso nessa direção, que afeta os interesses do funcionalismo. De
qualquer modo, é possível encontrar uma saída para financiar o auxílio
emergencial e mais gastos com saúde sem que isso signifique o abandono do
compromisso com a sustentabilidade fiscal.
Isso
é fundamental para tirar pressão do câmbio, que segue volátil e desvalorizado.
Um modelo dos pesquisadores Livio Ribeiro e Samuel Pessôa, do Instituto
Brasileiro da Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), decompõe a
variação do câmbio, considerando fatores externos (preços de commodities, o
comportamento do dólar no cenário global e a taxa de dez anos dos títulos do
Tesouro americano), a diferença de juros externos e internos e fatores locais
(levando em conta o risco-país, mas expurgando a influência de fatores
globais). Pelos cálculos de Ribeiro, a alta de 9% do dólar de 10 de dezembro do
ano passado ao fim de janeiro deste ano, quando a moeda passou de R$ 5,02 a R$
5,47, se deveu quase toda a fatores domésticos. Em texto para o Blog do Ibre,
Ribeiro diz que o real “opera descolado do comportamento de seus pares desde o
evento da covid, com reconciliações incompletas e pontuais (principalmente em
relação ao comportamento das moedas emergentes)”. Segundo ele, há algo
específico que “nos atrapalha” e, desde novembro, fica evidente que esse fator
negativo é de responsabilidade do país. “O real tem operado sob fogo amigo e,
enquanto isso não for resolvido, continuaremos não aproveitando bons ventos
globais em sua totalidade. Ainda pior, quando os ventos inverterem, não
estaremos bem posicionados para enfrentá-los”, afirma Ribeiro.
No
texto, o pesquisador do Ibre/FGV não aponta quais motivos domésticos seriam
responsáveis por pressionar o câmbio - pelo modelo, os fatores domésticos são o
“resíduo” não explicado pelos fatores externos e pela diferença de juros. As
incertezas fiscais, em especial, ajudam a entender as pressões sobre o real,
assim como possíveis dúvidas quanto ao ritmo de crescimento do país, devido à
piora da pandemia e a vacinação lenta.
Num
ambiente de alta dos preços das commodities, o câmbio desvalorizado é um fator
que preocupa, por elevar a inflação. Em janeiro, o Índice de Commodities do
Banco Central, medido em reais, subiu 10,6%, a maior alta desde maio de 2020,
como lembra o Bradesco. Com isso, avalia o banco, a inflação não deve dar
alívio no curto prazo. “Se por um lado o aumento das cotações internacionais de
produtos básicos, favorecido pela demanda chinesa aquecida, tende a continuar
favorecendo as exportações brasileiras, por outro, tais cotações, quando
mensuradas em reais, aumentam os desafios na condução da política monetária”,
afirma o Bradesco, em relatório.
O BC já indicou que deverá elevar os juros em breve. A persistência da combinação de commodities em alta expressiva e câmbio mais depreciado pode levar a instituição a aumentar a Selic mais do que se antecipa hoje. Isso tenderia a colocar em risco uma recuperação que já é frágil. Além da volta do auxílio e de uma vacinação mais rápida, evitar pressões exageradas sobre o câmbio é importante para garantir a retomada da economia, num país que desde 2014 tem enormes dificuldades para crescer.
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