terça-feira, 16 de novembro de 2021

Joel Pinheiro da Fonseca - Sergio Moro é a terceira via?

Folha de S. Paulo

Se ele tem consistência para ir além do mero símbolo, os próximos meses dirão

Sergio Moro surgiu na semana passada como um dos principais nomes da possível terceira via na centro-direita. Surpreendeu com seu discurso no ato de filiação ao Podemos. De onde nada se esperava, veio algo, não extraordinário, mas competente e que falou de prioridades nacionais.

Acima de tudo, Moro representa o combate à corrupção. Críticas legítimas à parte, a Lava Jato colocou atrás das grades criminosos de colarinho branco graúdos. Políticos, empresários, banqueiros. Não é normal ver indivíduos tão poderosos pagando por seus crimes.

Partidos políticos saquearam estatais e cobraram propina de empresas privadas numa escala nunca antes vista. Tudo isso foi real, assim como são reais os bilhões devolvidos ao Estado brasileiro. Para todos aqueles que não aderem ao negacionismo e a teorias da conspiração para proteger algum político ou partido, esses feitos foram positivos.

Além da anticorrupção, Moro buscou tocar os valores de direita que, em parte, atraíram o eleitor a Bolsonaro: falou em segurança pública, cuidado com as famílias, modernização econômica do Brasil.

Mas onde Bolsonaro optava por um extremismo sem base, Moro se coloca dentro dos parâmetros do debate racional e da ciência. Mais liberdade econômica sem esquecer o social e sem prometer trilhões em privatizações. Reconhece a importância do combate direto à criminalidade mas sem propor a posse universal de armas como solução. Busca equilibrar saúde pública e economia sem cair no negacionismo aberto. É pouco, é genérico, mas é muito melhor do que o que nos governa.

Se Moro fosse um extremista, jamais teria pulado fora do barco. Se seu motivador fosse apenas a ambição pessoal (por exemplo, de ser ministro do Supremo) ou vaidade de estar próximo do poder, teria engolido todos os desaforos calado, acostumando-se a ver sua agenda chutada para escanteio, como parece fazer Paulo Guedes.

Houve também silêncios, especialmente sobre um tema central: sua visão sobre o papel e as decisões recentes do Supremo Tribunal Federal. Como Moro vê, por exemplo, o inquérito das milícias digitais, bem como a decisão de punir grandes difusores de fake news, calúnias e ameaças a figuras públicas? Terá coragem de se colocar contra o Supremo em que a maioria adere ao garantismo num grau que favorece a impunidade?

Sua relação com a política é também uma incógnita. Se tem uma coisa que o governo atual ilustra bem é o quão vazio é o discurso antipolítica. É preciso ter aliados e bons assessores para governar. Quem estará junto de uma candidatura Moro? Quem da política e da sociedade civil aceitará se aliar a ele?

Neste momento, o governo Bolsonaro é uma carcaça apodrecida sendo devorada por dentro pelo verme do fisiologismo e do populismo eleitoreiro barato. Bolsonaro nunca foi algo diferente de um político oportunista e corrompido do centrão com um saudosismo da ditadura militar.

Liberalismo econômico, combate à corrupção, luta contra o sistema; quem acreditou nisso se enganou redondamente. Sergio Moro foi um desses, e o Brasil ainda paga pelo tamanho de seu erro. Tê-lo na política eleitoral, defendendo as bandeiras com as quais sua imagem foi construída e que agora estão abandonadas, será um bem para o país. Se ele tem consistência para ir além do mero símbolo e encarnar um projeto viável para o país, os próximos meses dirão.

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