O Globo
A cena é surpreendente. Na última
segunda-feira, durante uma transmissão de quatro horas, o ex-ministro Sergio
Moro falava sobre a possibilidade de um segundo turno entre o presidente Jair
Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Lula (PT) quando um dos dois entrevistadores
começou a tossir. Quem conhece Monark, um dos âncoras do Flow, sabe exatamente
o que ele estava fazendo. Mas, caso alguém tivesse dúvida, o editor na mesa de
corte decidiu realçar. Por três segundos, cortou a câmera de Moro para a de
Monark justamente na hora em que ele pegava o isqueiro sobre a mesa para reacender
seu baseado, àquela altura já queimado para além da metade. Maconha,
diferentemente de tabaco, apaga. Tem de reacender mesmo de tempos em tempos. O
ex-ministro da Justiça, pessoalmente um homem conservador, seguiu falando sobre
o que achava de Bolsonaro e Lula.
Os candidatos estão conversando direto com
os eleitores em inúmeros programas de nicho, sejam podcasts, vídeo ou ambos,
para audiências que às vezes se contam na casa dos poucos milhares, noutras
para lá dos milhões. É, por muitos motivos, um tipo de campanha digital de
melhor qualidade do que a de 2018, empesteada de mentiras e ancorada nos perfis
falsos das redes sociais.
Nos dias seguintes à entrevista de Moro ao Flow, amplamente debatida nas redes sociais, o pré-candidato pedetista ao Planalto, Ciro Gomes, levou ao ar um react em seu canal do YouTube. Ciro vem chamando Moro para um debate faz já algumas semanas, principalmente pela arena da internet. O ex-juiz escorrega. Numa briga em que a arma é a retórica, ele teria mesmo dificuldades. Um react, na linguagem da internet, é a transmissão ao vivo da reação de alguém a outro vídeo. Abrem-se duas telas, toca um trecho de Moro no Flow, dá-se uma pausa, Ciro comenta e por aí vai.
Enquanto isso, à primeira vista, Lula
parece estar usando um método antigo de campanha. Foge da grande imprensa, onde
estão os jornalistas mais preparados politicamente. São eles que fariam as
perguntas que, enquanto der, ele não deseja ser obrigado a responder. O jeito
antigo seria dar entrevistas para as rádios do interior, com seus âncoras
sempre entusiasmados com a chance de entrevistar um político de expressão
nacional, ou para sua imprensa de propaganda. Lula faz ambos, mas também vem
falando com programas realmente independentes, como o Mano a Mano, do rapper
Mano Brown.
É neste cenário de programas em áudio e
vídeo que a maioria das manifestações dos políticos está ocorrendo. Nem todos
os candidatos perceberam que deveriam ocupar estes espaços, mas é ali que o
debate ocorre. Mano Brown pode ser simpático a Lula, e é, mas também cobra. Sua
lealdade está com quem o ouve, a juventude empobrecida das franjas das grandes
cidades. Brown não é imprensa amiga. Monark e Igor, do Flow, são gamers com
reflexões sobre política bastante superficiais. Mas a maioria das conversas
sobre política, no Brasil, é assim. Fumando maconha na cara do político, coisa
que seria legal em todas as democracias relevantes, numa conversa com sempre
mais de três horas, os dois fazem algo que nós da imprensa não conseguimos.
Botam o candidato na sala de estar do cidadão médio, batendo papo.
Bolsonaro e Lula seguem escapando das
perguntas realmente difíceis, Moro e Ciro estão na disputa árdua para cruzar os
dez pontos e chegar aos 15 que os tornariam competitivos, João Doria deve estar
distraído. E há algo de diferente acontecendo. Até aqui, esta campanha digital
está sendo marcada por debate, ainda que superficial. É um ganho.
Nenhum comentário:
Postar um comentário