O Globo
Uma parte dos eleitores mais vocais de Lula
tem demonstrado grande intolerância com quem titubeia em votar no
ex-presidente. Os hesitantes, em vez de ser persuadidos e acolhidos, são
tratados com desprezo, chamados de irresponsáveis ou ridicularizados. Se a
campanha não contiver o comportamento irracional da militância, esses votos
potenciais virarão votos nulos ou, pior, irão para Bolsonaro.
Dois episódios nesta semana mostraram a
disposição intolerante dos lulistas. O primeiro foi a enorme pressão sofrida
pelos eleitores de Ciro Gomes para que mudem o voto e para que o pedetista
suspenda as críticas a Lula.
Uma pesquisa divulgada na quarta-feira mostrou que, num cenário sem Ciro, Lula obteria mais da metade dos votos, vencendo no primeiro turno. A pressão da militância lulista foi dupla: por um lado, pressionaram Ciro a abandonar a candidatura, para resolver a disputa mais cedo, de forma definitiva e menos questionável. O pedetista respondeu que, se Lula abandonar a disputa, ele também vence Bolsonaro no primeiro turno, como mostrara outra pesquisa em março.
Em paralelo, lulistas acusaram duramente os
eleitores de Ciro de irresponsáveis, por empurrar com o seu voto as eleições
para um segundo turno imprevisível. Essa pressão contra os eleitores, por seu
caráter desrespeitoso e agressivo, não convenceu um único cirista. Apenas
contribuiu para torná-los ainda mais resistentes a votar no petista. Afinal, os
votos em Ciro são de quem, por um motivo ou outro, tem grandes reservas com
Lula ou o PT.
Ciro também foi criticado por desferir
ataques seguidos a Lula depois de uma reportagem do GLOBO mostrar que trechos de seus vídeos
contra o petista têm circulado em grupos bolsonaristas no WhatsApp. Tanto a
militância petista quanto a bolsonarista viram no fato um favor a Bolsonaro.
Petistas denunciaram o progressismo falso de Ciro, e bolsonaristas celebraram
que Ciro esteja se convertendo em cabo eleitoral do presidente. Uma análise
atenta mostra outra coisa.
Quanto mais o pedetista se projeta no campo
antipetista, mais votos ele tira de Bolsonaro. Num cenário com um terceiro
colocado próximo dos dez pontos, é muito importante para Lula que Ciro tenha
penetração no campo antipetista. Quanto mais ele ataca Lula, mais morde votos
antipetistas. Do ponto de vista estratégico, essa postura deveria ser
celebrada, e não condenada pelos lulistas. O próprio Ciro deu a deixa em uma
sequência de tuítes: “O risco maior para Lula — e para a nação — não está na
minha permanência, mas numa retirada. Sem a minha candidatura, a polarização
aumentaria num momento em que Lula estagnou, e Bolsonaro se sustenta. Porque a
resiliência do genocida (...) está fortemente ancorada no antipetismo”.
O segundo episódio da semana foram os
ataques à influenciadora Rita von Hunty, uma drag queen que se projetou nas
mídias sociais com um discurso radical de esquerda. Rita criticou no Instagram
a pobreza programática no ato de lançamento da candidatura de Lula. Para ela, o
petista praticamente não mencionou pautas econômicas e sociais e não se comprometeu
a revogar as reformas de Temer e Bolsonaro. Por isso recomendou um voto radical
no primeiro turno nos candidatos do PSTU ou do PCB. A reação da militância
lulista foi imediata, e Rita sofreu um duríssimo ataque nas mídias sociais.
O Brasil vive uma seriíssima ameaça à
democracia que tem nome: Jair Bolsonaro. Hoje, o candidato com mais chances de
derrotá-lo é Lula, mas quase um terço do eleitorado prefere algum outro nome,
não sabe em quem votar, anulará o voto ou se absterá. Se seguir consolidado como
o antagonista viável, o petista precisará do apoio dos 30% dos brasileiros que,
à direita, ao centro ou à esquerda, hesitam em votar nos candidatos da
polarização. Esses eleitores precisam ser tratados com respeito, cortejados e
acolhidos, e não acossados e atacados. O momento é de união contra o
autoritarismo.
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