Folha de S. Paulo
No país, essa é forma de descrever a
dinâmica do antipetismo
"A hiperfragmentação e o baixíssimo
partidarismo político no Brasil mascaram a escalada da polarização", escreve
Marcus Melo (Folha,
8/5). Segundo a sua análise, aguda e instigante, EUA e Brasil seriam casos
paralelos de "recrudescimento recente" da polarização política. A
tese, contudo, transita por um argumento que contém a semente de sua própria
refutação: por aqui, predomina um "partidarismo negativo assimétrico,
envolvendo apenas o PT".
Polarização, na política, é o fenômeno de
cisão binária da sociedade. Classicamente, tende a verificar-se em sistemas
bipartidários, como o dos EUA, mas pode ocorrer em sistemas multipartidários
marcados pelo antagonismo entre dois partidos principais. No Brasil,
polarização é termo ilusório: uma forma de descrever (e ocultar) a dinâmica do
antipetismo.
A tormenta política do quadriênio 2014-2018 arrastou o PSDB à irrelevância, mas não teve efeito similar sobre o PT. Nesse sentido, serviu para provar que o PT é o único partido nacional com extensas bases sociais. A força aparente dos candidatos tucanos que alcançaram o segundo turno entre 2006 e 2014 não exprimia uma adesão ideológica ao PSDB, mas veiculava o antipetismo. Bolsonaro chegou ao Planalto sob o impulso da mesma correnteza, convertida em incontrolável torrente.
A cisão foi plantada pela narrativa de uma
nação dividida entre "o povo" (representado pelo PT e seus aliados) e
"a elite de 500 anos" (representada por todos os outros). Nessa
linha, o PT difundiu a noção de que seus críticos são indivíduos
intelectualmente primitivos ou, simplesmente, mal-intencionados.
A estratégia discursiva revelou-se eficaz, num sentido perverso, amalgamando o campo adversário. Em 2018, para não avalizar o PT, lideranças visceralmente avessas a Bolsonaro, como Fernando Henrique e Ciro Gomes, escolheram uma neutralidade parcial. Erraram, sim, mas justamente por reagir à lógica binária petista.
No intervalo 2014-2018, intensificou-se a
antipolítica, não a polarização. Sob o impacto dos escândalos (reais) de
corrupção e da campanha político-judicial do Partido dos Procuradores
recrudesceu a rejeição geral à elite política e aos partidos. O PT, único
partido fortemente enraizado, experimentou a sedimentação social do
antipetismo. O bolsonarismo, erupção de uma extrema direita singular na
história brasileira, nasceu naquela lagoa poluída.
Lula cartografou
corretamente a encruzilhada política. Num só lance, renunciou à narrativa
sectária do "golpe do impeachment" e articulou a aliança com o
"neoliberal golpista" Alckmin. Por essa via, delineou uma campanha
apoiada no conceito de frente democrática contra o bolsonarismo. A operação
estratégica destina-se a empurrar o antipetismo para a redoma da ultradireita.
Hábitos arraigados prendem o presente ao
passado. O sectarismo petista manifestou-se na carta de resistência a Alckmin firmada
por líderes do partido e ressurge em declarações anacrônicas do próprio Lula
sobre economia e política externa. O discurso ensaiado do ex-presidente no
lançamento oficial da chapa, mesmo evitando as armadilhas mais evidentes,
concentrou-se na celebração de seus governos, enviando a mensagem equivocada de
que o futuro será a repetição de um filme antigo.
Bolsonaro nada tem a mostrar. Seu Plano B, o triunfo eleitoral, e seu Plano A, o golpe, dependem exclusivamente da manipulação do antipetismo. Lula precisa alinhar seu discurso ao conceito embutido na aliança com Alckmin.
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