Valor Econômico
Programa feito por Claudio Frischtak
enriquece o debate e poderia até ter alguns de seus pontos incorporados pelos
candidatos mais bem colocados à Presidência
Por que olhar com atenção as propostas de
uma candidata à Presidência que tem 5% dos votos e ficaria satisfeita terminando
a corrida eleitoral em terceiro lugar? Um programa rico em discussões - caso do
plano de Simone Tebet (MDB) para a infraestrutura - não deve ser lido como
roteiro de um mais do que improvável governo da atual senadora. É uma
oportunidade de debater ideias para o futuro do país, colocar formadores de
opinião e eleitores para refletir, talvez até ter alguns de seus pontos
incorporados pelos candidatos mais bem colocados. Seja pelo convencimento ou
como parte de negociações pela troca de apoio em um segundo turno.
Coordenado por Claudio Frischtak, sócio da
consultoria Inter.B e um dos nomes mais respeitados do mercado quando se fala
em infraestrutura, o programa de Simone para a área merece leitura. Pode
despertar concordância ou divergência, mas permite exatamente isso: o debate.
Começa demonstrando que, desde 2014, o investimento total no setor diminuiu de
2,43% para 1,66% do PIB. Tem havido estabilidade dos desembolsos privados e uma
redução brutal dos aportes públicos. Na média das duas últimas décadas, os
recursos aplicados em energia, transportes, telecomunicações e saneamento foram
de 2,04% do PIB. Para suprir o déficit do país, deveriam ter alcançado 3,51%.
Em seguida, compromissos: aumentar esses investimentos em 0,2 a 0,3 ponto percentual do PIB anualmente ao longo da próxima década; fortalecer o BNDES como estruturador de projetos; ampliar a participação do mercado de capitais para o financiamento; rigor na escolha dos projetos, incluindo análise do custo-benefício e de sua “taxa social” de retorno; matar todas as iniciativas que flertam com um enfraquecimento das agências reguladoras. Evolui-se, então, nas propostas para vários segmentos.
1) Rodovias: concessionárias privadas já
operam 12,6 mil dos 65,7 mil km das rodovias federais pavimentadas. Outros 10,6
mil km estão atualmente na carteira do PPI. Se tudo isso for leiloado, mais de
36% das estradas estarão sob a administração direta de empresas. Quase dois
terços, no entanto, permanecerão com o governo. Em um quadro de crescentes
restrições fiscais. Ao mesmo tempo, há dificuldade em construir um ambiente de
licitações competitivo e aberto, com tarifas de pedágio que caibam no bolso dos
usuários.
A ideia é ter um novo padrão de concessões
em complemento ao modelo vigente, com projetos de menor extensão, investimento
e custos operacionais. Estima-se que isso viabilizaria o leilão de trechos com
tráfego na faixa de cinco mil veículos/dia - ante a média de 11,9 mil/dia das
cinco últimas concessões federais que foram realizadas. Com esse novo modelo de
concessões “light”, focadas em boa conservação do pavimento, há um potencial
para transferir ao setor privado até 8,4 mil quilômetros adicionais, em 70 trechos
de rodovias, aliviando o orçamento público e elevando a qualidade do serviço
prestado.
2) Ferrovias: o programa se opõe à
construção da Ferrogrão (entre Sinop e Miritituba), pelo suposto baixo
custo-benefício, além de citar Fiol (na Bahia) e a Transnordestina como
projetos de “qualidade duvidosa”. A Lei 14.273/21, que viabiliza novas
ferrovias por meio do sistema de autorizações, precisa agora de uma
regulamentação para dirimir dúvidas relacionadas à convivência com o regime de
concessões. Também convém assegurar que as autorizações não sejam uma opção a
custo zero e sem prazo de execução - o caso das “ferrovias de papel”.
3) Portos: dar continuidade a políticas de
arrendamentos, em especial de terminais de granéis e contêineres, levando em
conta riscos associados à verticalização do setor, com os armadores (empresas
de navegação) operando terminais próprios. No primeiro biênio, priorizar avanço
na privatização de companhias Docas: Santos, Rio de Janeiro, Salvador, Rio
Grande do Norte, Salvador, Itajaí. Com isso, pode haver ganhos de eficiência e
redução de custos logísticos.
4) Aeroportos: garantir, em bases
competitivas, a 8ª rodada de concessões com a oferta conjunta do Galeão e de
Santos Dumont (RJ). Reavaliar, com cuidado, a possibilidade de que novos
aeroportos construídos por autorização - hoje restritos à aviação executiva -
recebam voos regulares. Isso pode provocar insegurança jurídica para os donos
de concessões.
5) Mobilidade urbana: em geral, seus custos
superam a capacidade de pagamento dos usuários. Portanto, é necessário apoio
financeiro do Estado - União, Estados e municípios - para haver expansão de
trens e metrôs. Deve-se acelerar um novo marco legal, tendo como base o PL
3.278/21, que aborda questões como política tarifária, parâmetros de desempenho
nos serviços, reequilíbrio econômico das concessões, autoridades metropolitanas
de transporte. É preciso definir uma política de financiamento do setor com
remuneração pelos serviços prestados ou disponíveis, não só pelo valor da
tarifa (insuficiente).
6) Saneamento: a lei de 2020 contribuiu com
avanços como metas de universalização, fim dos contratos de programa (sem
licitação), criação dos blocos regionais, papel mais ativo da ANA na regulação
do setor. Mas o ritmo atual de investimentos (R$ 19 bilhões por ano) segue
muito aquém do almejado à universalização dos serviços até 2033 (cerca de R$ 80
bilhões anuais). O compromisso é reforçar, com os entes federados, o desenho
dos blocos. Estruturar PPPs para aterros sanitários, retomar o programa de
cisternas em zonas rurais e estimular a reciclagem.
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