Correio Braziliense
Emerge da COP27 uma nova institucionalidade ambiental, na qual o Brasil precisa se inserir, pois ditará os rumos das relações comerciais e das cadeias globais de produção
A reforma agrária, a velha bandeira da
esquerda brasileira, que remonta ao debate sobre a industrialização na década
de 1930, partia da premissa de que monocultura agrícola, inclusive a
agromanufatura açucareira, era uma das causas do nosso subdesenvolvimento.
Havia até então a concepção de que somente a eliminação dos grandes latifúndios
poderia desenvolver o capitalismo no campo, o que na verdade já existia desde o
fim da escravidão. Achava-se que éramos um país de agricultura feudal.
Essa compreensão, por exemplo, ignorava o fato de que o Convênio de Taubaté havia mudado completamente a relação do Brasil com o mercado mundial de café, sendo um fator decisivo para a própria industrialização, principalmente em São Paulo, cujos cafeicultores acumularam muito capital e priorizaram os investimentos em atividades produtivas, em vez do patrimonialismo que predominou em outras regiões do país.
Fruto de um pacto entre os governadores de
São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, respectivamente Jorge Tibiriça,
Francisco Sales e Nilo Peçanha, o Convênio de Taubaté fora assinado em 6 de
fevereiro de 1906, garantindo a compra do café por um preço mínimo e a
regulagem dos estoques para controlar os preços internacionais, mais ou menos
como fazem hoje os países produtores de petróleo. Na ocasião, o presidente
Rodrigues Alves não se dispôs a assumir o ônus desta política, porém, os
estados assumiram a compra do café excedente.
Com a eleição de Afonso Pena, essa situação
finalmente iria mudar, cabendo ao governo federal manter a política de
valorização do café. Os resultados foram positivos. Na década seguinte, o lucro
conseguido pelos cafeicultores iria aumentar consideravelmente devido ao
crescimento da compra do produto no mercado internacional. A modernização das
principais cidades do país, principalmente o Rio de Janeiro, tem tudo a ver com
o êxito dessa política.
Nada disso, porém, abalou o dogma da
esquerda de que o país não poderia se desenvolver sem reforma agrária e
nacionalização das empresas estrangeiras, o chamado caminho da “revolução
brasileira” (a democracia estaria em segundo plano). No começo da década de
1960, enquanto Francisco Julião e suas ligas camponeses defendiam a reforma
agrária “na lei ou na marra”, o presidente João Goulart prometia realizar as
reformas de base por decreto, à revelia do Congresso, o que foram fatores
decisivos para o êxito do golpe militar de 1964.
Por pura ironia, o Estatuto da Terra,
aprovado no governo Castelo Branco, viria a ser o instrumento da reforma
agrária no ciclo de modernização conservadora da década de 1970. O governo
Fernando Henrique Cardoso, tendo Raul Jungmann como ministro da Reforma
Agrária, foi aquele que mais desapropriou terras, distribuiu títulos de
propriedade e assentou trabalhadores rurais da história republicana, além de
ter criado o Pronaf, o muito eficiente programa de financiamento de agricultura
familiar do país.
Créditos de carbono
Desculpem-me esse longo parêntesis. O fato
é que o Brasil se tornou o maior produtor de proteína animal do mundo e é um
dos maiores produtores agrícolas do planeta. Com monocultura e grandes
propriedades agrícolas, fez uma verdadeira revolução agrícola no campo, que
hoje lidera a economia do país em termos de inovação e tecnologia embarcada.
Não depende mais da expansão da área cultivada e dos pastos para aumentar a
produção de alimentos, porém, precisa se preocupar com a questão ambiental. As
atividades rurais predatórias, principalmente na Amazônia, são um anacronismo,
que compromete o futuro de nossa integração à economia mundial, devido às
retaliações que poderiam advir em razão da política mundial de combate aos
gases do efeito estufa e ao desenvolvimento de uma economia de baixo carbono.
Assim como existe institucionalidade
financeira na globalização, emerge da COP27 uma nova institucionalidade
ambiental, que ditará os rumos das relações comerciais e das cadeias globais de
produção. Por isso tudo, faz todo sentido a aliança estratégica com o
agronegócio para combater o desmatamento e promover a nova economia proposta
pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, em seu pronunciamento
na COP27, no Egito.
Um grande passo seria regulamentar a
Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PNPSA), que pode
beneficiar grandes e pequenos produtores, ao remunerar ou recompensar quem
protege a natureza (créditos de carbono) e mantém os serviços ambientais
funcionando em prol do bem comum. De iniciativa dos deputados federais Rubens
Bueno e Arnaldo Jordy, com as diversas alterações realizadas no Senado Federal
e aperfeiçoamentos das duas casas legislativas, a Lei 14.119 definiu conceitos,
objetivos, diretrizes, ações e critérios de implantação do programa.
Em países como Costa Rica, Colômbia, EUA,
Holanda, Canadá, China, Equador, Zimbábue, Bolívia, Honduras, México,
Nicarágua, Panamá, Paraguai, Venezuela, República Dominicana e Austrália já
existem disposições normativas que regulam a gestão do PSA. Santa Catarina, Rio
de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo, e diversos municípios
brasileiros, dispõem de normas jurídicas específicas para implementar uma nova
política ambiental e financiar o desenvolvimento sustentável, em parceria com o
agronegócio. É mais uma ferramenta de combate às iniquidades e injustiças
sociais no campo.
2 comentários:
Azedo como explicar que um país de dimensões continentais nunca fez uma reforma agrária, quando no mundo tem uma infinidade de pequenos países fizeram. Qual o tamanho da maior latifúndio do país? Certamente cabe um ou alguns pequenos países dentro. Por isso o Brasil é um país colonial exportador de bens primários onde convivem bilionários e moradores de rua. No Brasil reforma agrária e distribuição de renda é pecado.
Reforma agrária há,mas deviam ter feito quando 'libertaram' os escravos.
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