Folha de S. Paulo
Presidente eleito precisa mostrar que não é
só de discursos que a sua política climática será feita
A fala do presidente eleito Lula na COP27 é nada menos do que uma aula de política externa estadista cujo primor resta cristalino em suas linhas e entrelinhas — é um discurso marcado pelo equilíbrio de opostos, que evita o confronto, mas mantém a contundência. Nada disso poderia ser feito, aliás, sem a liderança de Marina Silva. Pena que o grupo de transição na área internacional não reflita a pluralidade que fez possível este momento na COP.
Magistralmente, Lula desarma diversas bombas maniqueístas de seu antecessor. Não opõe meio ambiente a agronegócio: "produção agrícola sem equilíbrio ambiental deve ser considerada uma ação do passado", diz. Não opõe Sul Global aos países desenvolvidos, mas cobra estes: "Minha volta também é para cobrar aquilo que foi prometido [pelos países ricos]", inclusive mecanismos de "perdas e danos". Não opõe cooperação a soberania. Como centrista radical que é, Lula equilibra peças onde o xeque-mate climático está em todos se sentirem agraciados.
Passado o discurso histórico, Lula tem só
um problema na agenda climática: não pode errar. O custo de centralizar a
política externa em clima — a melhor aposta para o país hoje é se tornar
fluente na linguagem diplomática do século 21 — é que Lula precisará mostrar
desde o primeiro dia que não é só de discursos e conferências no Brasil, por
mais importantes que sejam, que a sua política climática será feita. A boa
notícia é que caminho para tanto já foi mapeado.
No dia 1º de janeiro de 2023, Lula terá 401 normas federais para revogar ou rever como
mapeou o Instituto Talanoa. O governo deve igualmente colocar o dinheiro onde
sua boca está: regular a descarbonização da economia, conforme relatório da rede Laclima. Brasil há de
enfrentar as emergências humanitárias como intrusão da Terra Indígena
Yanomami, como aponta o Observatório do Clima. Clima é questão de
justiça histórica, inclusive racial: Lula tem a chance de colocar os alvos do
genocídio como protagonistas da reconstrução.
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